Bergman e a banalidade da dor
Slavoj Zizek, num ensaio sobre o “Livro de Jó”, faz uma leitura original da narrativa bíblica. No mito, os amigos de Jó insistem em responsabilizá-lo pelos infortúnios que lhe acontecem. Jó repudia com violência a explicação. Nada do que tenha pensado, dito ou feito, diz ele, justifica a enormidade de sua desdita. Zizek conclui que a sabedoria de Jó está em admitir que o sofrimento humano não tem sentido. Entre o que pensamos, dizemos ou fazemos e os sofrimentos que padecemos há uma lacuna intransponível.
Em geral, a dor nasce de gestos e intenções banais, incomensuráveis em relação aos efeitos que produzem. Ao aceitarmos essa realidade, desoneramos nossa consciência da neurose e do narcisismo da falsa implicação. O peso da existência se torna mais leve. Essa é a tese da banalidade da dor, sustentada por Zizek com o apoio de argumentos estóicos e lacanianos revistos à luz de Hegel. A retórica é, sem dúvida, sedutora e inteligente. Mas é para quem pode e não para quem quer. Ou melhor, para quem aceita calar sobre o que não se pode falar.
Mas, e o que dizer dos outros; dos que insistem em continuar perguntando insensatamente por quê? Nesse caso, se a pergunta for feita por um artista excepcional, movido por um senso estético exorbitante e com os meios que só a magia do cinema pode proporcionar, tem-se como resultado Ingmar Bergman.Bergman não aceita a saída do Jó zizekiano. Seus enredos começam pelo fim. Começam no momento em que a maioria de nós, sensatamente, desiste de explicar e entender. Nesse ponto, ele dá início ao processo de julgamento da dor. Tamanha desmedida, parece dizer Bergman, só é entendível se pularmos na escuridão dos mais íntimos sentimentos.
Com um rigorismo luterano, ele confina os protagonistas das histórias em cenários assombrados por espectros de culpas, ressentimentos, remorsos e infelicidades. Em seguida, obriga-os a confessar o que ignoravam saber; a secar lágrimas e memórias em busca do tempo perdido e, por fim, a deixar no ar a crença freudiana dos órfãos de redenção: “A intenção de que o homem seja feliz não entrou nos planos da Criação.”
Engana-se, porém, quem vê no cinema de Bergman um elogio à melancolia ou ao desencantamento do mundo. O que há é destemor e vontade de afirmar obstinadamente o valor da dignidade humana.Pois, se a dor pode ser banal, nós não somos. O sujeito, em Bergman, persiste em querer o impossível; em sonhar com o inalcançável e em enfrentar de cara limpa a inadequação, o desengonçamento, o jeito gauche de que somos feitos.
Da precária marca humana, ele extrai um universo de beleza estasiante e, de sobra, relembra a dimensão celestial ou infernal da grandeza humana, isenta de leviandade, superfluidade ou espírito de rebanho.Algo mais sobre Bergman? Sim. Tudo que você quiser saber sobre ele, jamais poderá ser dito. Tem que ser visto.
Já li algumas interpretações sobre o livro de Jó y a de Jijék tá ainda + distaaaante daquilo que entendo, com minhas parcas luzes. O uso que dele faz o Jurandir pra dar uma virada em seu comment aos filmes do Bergman é ótimo, além de permitir espaço pra novos jogos de interpretação, ao contrário do Jijék a quem a fama não fez muito bem…
Freud trabalhou pouco sobre aquela dor que num é mental (a da angústia), se intrigava com ela, desenvolvia algumas frases pero, de fato, ele + explorava as drogas de todo tipo, recomendando inclusive a bebida, além da cocaine! Num foi à toa que foi 1 dos descobridores dos efeitos anestésicos desta última. Doído, muuuuitas vezes alquebrado, sofrendo com a extensão maligna do seu câncer, vivenciando lutos&frustrações, ainda assim ele resistia&avançava, mes-mo sem ter esperança ou crer nos avanços da civilização, da bondade humana ou apostando num sem-tido da vida. Penso que é o que designamos por “heróico”, né!?
Num sei se Bergman se encaixa neste termo. Num sei se a dor é “banal”. Pra mim continua M-I-S-T-E-R-I-O-S-A. É dor demaaaais na natureza. Me surpreendo com esta sua demasia. E seiláeu porque num associo, como os religiosos, punição&dor, ou tento compreender e/ou encontrar sem-tido…
Pós S. – Lembro de Jó afligido pela doença, perdido&perdendo tuuuudinho y qua-se enterrado vivo no deserto… nossa única riqueza, después de nascidos, é saber se deslumbrar com a Vida. Fidelidade a 1 Deus é, d’algum modo, num perder a sensibilidade y a reverência. Num tá em se perguntar “como D-eus permite tanta crueldade??” ou como Jeová competiu com Satã y colocou seu fiel Jó à prova, ou Isaac y Abrão.
A fidelidade de Jó ao seu D-eus foi a de num desistir da Vida. O que soa esquisito quando escrevo, pero tenho a ajuda de meu queridíssimo Camus falando da experiência de Sísifo que enquanto empurrava sua pedra inútil conseguia olhar pros grãos da rocha com deslumbramento. E ainda tenho también ajuda daquela historieta Zen na qual 1 homem, dependurado num galho frágil que o impedia de precipitar-se num abismo, vê 1 morango pendente como ele y o colhe pra degustar com gratidão.
Texto publicado originalmente em 08 de maio de 2012, no jornal O Globo.
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