quinta-feira, 17 de maio de 2012

Quem mandou matar Neylton?

Jaciara Santos
Julgamento dos vigilantes Josemar dos Santos e Jair da Conceição não esclarece mistério sobre morte de servidor municipal da área de saúde
Qualquer que seja o desfecho do julgamento dos vigilantes Josemar dos Santos e Jair Barbosa da Conceição, que respondem pela morte do servidor da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) Neylton Souto da Silveira, existem grandes possibilidades de a verdade continuar oculta. A menos que os autos apresentem novidades ainda desconhecidas pelo público, a peça processual nasce com defeitos de origem: a motivação do crime.
Inicialmente, o homicídio foi classificado como crime de mando. Segundo esse raciocínio, os simplórios seguranças teriam sido contratados para silenciar a vítima, que ameaçava denunciar irregularidades no repasse de verbas do Sistema Único de Saúde a clínicas e hospitais de Salvador. Os desvios seriam comandados pela SMS, órgão em que a vítima trabalhava. Como, por tudo o que foi divulgado até o momento, não há indicações de que Josemar e Jair detenham participação acionária em estabelecimentos de saúde – e por isso não seriam parte interessada em uma possível queima de arquivo – a quem estariam servindo quando executaram o crime?
Também lá no começo do processo, ainda em 2007, surgiram os nomes de duas supostas mandantes do crime: a médica Aglaé Amaral Sousa, ex-subsecretária municipal de Saúde, e a consultora técnica Tânia Maria Pimentel Pedroso, que prestava serviços à SMS. Ainda assim, o enredo não fecha. No máximo, mesmo que houvessem intermediado o homicídio, as suspeitas não seriam os únicos elos da corrente.
Quando se trata do desvio de dinheiro público, há sempre uma extensa teia de corruptos e corruptores. Por má fé ou mera incompetência, a polícia não conseguiu estabelecer nexo entre os réus e as suspeitas, levando o juiz da 1º Vara do Júri Moacyr Pitta Lima, a impronunciá-las – no jargão jurídico significa que não irão a júri.
Vale lembrar que, durante as apurações, houve uma tentativa de transformar o caso num crime de ódio. Certo delegado da Policia Civil, hoje em cargo de destaque na instituição, chegou a insinuar que a vítima teria envolvimento homossexual com os autores e essa poderia ser a motivação do homicídio. Afora a circunstância de a vítima ter sido encontrada semidespida, nada há nos autos consistente com essa hipótese, que serviu apenas para desviar o foco das investigações.
Bom, restaram como indiciados os vigilantes, que amargaram mais de cinco anos presos em regime fechado enquanto aguardavam julgamento. Sem recursos financeiros nem notoriedade social para fazer valer seus direitos constitucionais, mofaram na cadeia, sendo soltos no ano passado quando a Justiça reconheceu “excesso de prazo de prisão sem julgamento e falta de fundamentação na sentença”.
A expectativa é de que o júri se prolongue por dois dias, no mínimo. Leitura de peças processuais, seguida de exposições performáticas de acusação e defesa, mais a oitiva de testemunhas consomem um bocado de tempo. Só não dá para esperar surpresas quanto ao veredito. Vai depender de quem se sair melhor no item emoção, na avaliação dos jurados.
Se o Ministério Público conseguir convencer o júri de que, sem mais o que fazer, num enfadonho plantão de sábado, Jair e Josemar resolveram brutalizar e matar o pacato Neylton – que fora chamado à secretaria para uma reunião que nunca existiu – eles serão condenados por homicídio qualificado e sentenciados à pena máxima. Mas, há sempre a possibilidade de a defesa tocar o coração dos julgadores (e o criminalista Vivaldo Amaral, que defende Jair, tem bom domínio de tribuna) e pode transformar suas alegações finais num libelo contra a injustiça. Aí, bingo! De réus, os dois seguranças passarão a quase santos.
De todo o modo, como Jair e josemar ficaram presos por mais de cinco anos, mesmo que sejam condenados, podem recorrer da sentença em liberdade. Tudo depende do entendimento da Justiça quanto ao excesso de prazo que cumpriram em regime de prisão preventiva. Quanto ao cumprimento da justiça no que se refere à identificação e punição dos culpados pelo crime…
O crime
Neylton Souto da Silveira, 48 anos, foi morto em 6 de janeiro de 2007. O corpo foi encontrado no dia seguinte, pela manhã, no pátio interno da Secretaria Municipal de Saúde no bairro do Comércio. Funcionário concursado da Superintendência de Engenharia de Tráfego (SET), hoje Transalvador, estava desde março de 2006 à disposição da SMS, onde atuava no setor de gestão plena, seção responsável pelo Fundo Municipal de Saúde e pelo pagamento de mais de 320 empresas prestadoras de serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS), uma movimentação financeira em torno de R$ 25 milhões mensais.
Ao sair de casa, no sábado, a vítima disse que fora chamada para uma reunião na sede da secretaria. Ao ser encontrado, no domingo pela manhã, o cadáver estava descalço e vestido apenas de camisa e cueca. Apresentava fraturas múltiplas e afundamento na parte de trás da cabeça.
Texto publicado originalmente em 17 de maio de 2012, no Bahia 247, Salvador-Ba.

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