O maior erro da história jurídica brasileira: homem fica 19 anos na prisão por um crime que não cometeu
"O maior e mais grave atentado à violação humana já visto na sociedade brasileira"
O ex-mecânico pernambucano Marcos Mariano da Silva, de 63 anos, morreu hoje em sua casa, no bairro Afogados, em Recife, algumas horas depois de saber que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou o pagamento de uma indenização por danos materiais e morais, por um crime que ele não cometeu, e passou 19 anos na prisão. Ele morreu em decorrência de um enfarte enquanto dormia. Seu corpo foi velado hoje no cemitério de Santo Amaro e será enterrado amanhã à tarde.
O valor da indeninzação era de R$ 2 milhões. Marcos Mariano havia recebido metade em 2009, mas só receberia o restante em 2027. Ele soube da decisão do STJ ontem, por meio do seu advogado, José Afonso Bragança Borges. “Foi como se ele estivesse aguardando a corroboração da sua inocência para morrer em paz, depois de tantos anos de agonia e luta para provar ser um homem digno e honrado. Parece que estava esperando fechar este ciclo para demonstrar a sua honradez, para morrer tranquilo, em paz”, disse o advogado.
Marcos Mariano foi preso duas vezes sem ser julgado. Em 1976 foi condenado por ter o mesmo nome do assassino de um homem em Cabo de Santo Agostinho (PE), e ficou no presídio Aníbal Bruno, até que a polícia descobriu o verdadeiro culpado. Em liberdade, trabalhou como taxista, mas foi vítima de mais uma injustiça.
Em 1985 foi novamente preso, após parar em uma blitz, quando foi acusado de ser o criminoso, e levado para o presídio. O juiz Aquino Farias de Reis não consultou o processo anterior e o condenou por violação de liberdade condicional, determinando sua prisão como foragido.
O STJ reconheceu o caso como o maior erro da história jurídica brasileira. Mais de 20 anos da vida de Marcos Mariano foram dedicados a provar sua inocência. Ele foi preso sem inquérito, sem condenação alguma e sem direito a nenhuma espécie de defesa.
Durante o período em que esteve preso, ele ficou cego dos dois olhos, ao ser atingido por estilhaços de uma bomba durante uma rebelião no presídio, e também contraiu tuberculose.
Um mutirão judiciário reconheceu a injustiça e ele foi solto em 1998, quando entrou com a ação judicial contra o Governo de Pernambuco e passou a receber uma pensão mensal de R$ 1 mil. O governo estadual recorreu da decisão e se propôs a pagar uma pensão vitalícia de R$ 1.200, recurso negado pelo STJ, que julgou o caso em 2006 e considerou como “o maior e mais grave atentado à violação humana já visto na sociedade brasileira”.
O ex-mecânico comprou uma casa, ajudou a família e passou a ter uma vida digna, mas já não tinha alegria de viver, segundo seu advogado, que se tornou seu amigo: “Ele me dizia que vivia em um cárcere escuro e daria tudo para enxergar novamente”.
Depois de ser preso pela segunda vez, ele conheceu Lúcia Vicente Rodrigues, que acompanhava a mulher de um companheiro de cela nas visitas, e se casou com ela.
Em entrevista ao Diário de Pernambuco, Marcos Mariano disse que "foi muito duro provar que não era culpado. Lá na prisão todo preso se diz inocente. Cheguei a pensar que iria morrer no xadrez, mas apesar das crises de depressão, nunca perdi a esperança de poder ficar livre de tudo isso. O maior prejuízo disso tudo foi ter ficado cego. Hoje, além de ser um homem fichado pela polícia, estou deficiente visual e sou um inválido".
Quando foi preso pela primeira vez, Marcos Mariano estava casado há 11 anos com a gaúcha Domenice Vicente Arruda, com quem ele teve três filhos. Cerca de um ano após a prisão, ela o deixou e foi morar em Aracaju com as crianças.
Em 1990, quando saiu do presídio, ele foi para Paudalho com Lúcia. Alugaram uma casa, mas o dinheiro acabou e foram despejados. Dali, foram morar com a sogra dele. Por causa da saúde debilitada, ele não podia trabalhar. Lúcia ajudava trabalhando como empregada doméstica.
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