A vida é pra viver, não pra morrer de bomba
Malu Fontes
O que começou com uma fotografia quase engraçadinha em tempos de exposição da intimidade nas redes sociais avançou para boatos e desmentidos de morte e, independentemente do desfecho, terminará com o cantor Netinho tendo a vida, ou pelo menos seus hábitos de vida, reformulados por imposição da sua própria biologia, que deu um basta ao que os moderninhos chamam de body building (não está satisfeito com o seu corpo? Construa outro).
Ao postar em seu Instagram fotos na UTI de um hospital em Salvador, uma delas quase sorrindo, como se estivesse brincando de posição fetal, e outra de uma bolsa de soro, dizendo que estava achando aquilo um saco, pois funciona a 220V, Netinho certamente estava longe de imaginar que poucos dias depois teria um prognóstico tão próximo da morte.
As fotos cessaram, sua saúde foi degringolando dia após dia de internação e os nomes das coisas só começaram a ser dados quando a família o embarcou numa UTI aérea para o Hospital Sírio-Libanês, na quinta-feira, e o entregou à equipe multidisciplinar do médico Roberto Kalil, o que equivale, em termos de saúde no Brasil, a embarcar para uma espécie de Castelo de Caras hospitalar, se houvesse alguma equivalência disso em termos clínicos.
Nos quase 20 dias em que Netinho permaneceu internado em Salvador, um detalhe mereceu atenção. De foto postada pelo próprio em rede social à manchete desmentindo os boatos sobre sua morte, a imprensa local falou de tudo. Menos do que as ruas falavam. Netinho sentira uma dor, Netinho teria tumores benignos no fígado, Netinho piorara e até Netinho morrera. Sim, mas o que levara a tudo isso? A resposta era um tabu, embora só para a e na imprensa.
Ganha um pirulito fluorescente quem estiver lendo este texto e já não tivesse pronunciado ou ouvido nos últimos dias o nome da causa originária do adoecimento do cantor antes de o Fantástico de domingo ter pronunciado as palavras tabu que a imprensa não ousava citar, mas há muito estavam na boca do povo: esteroides, anabolizantes, hormônios e que tais. Bomba, no popular, o que fez magicamente o magrinho Ernesto ir se transformando no malhadão Netinho. À custa de um fígado e, até agora, sabe-se, de quase muito mais.
O caso Netinho versus anabolizantes é apenas uma ponta visível da relação entre os malhadores e essas substâncias, por ele ser famoso. Há poucos dias, dois jovens em Vitória da Conquista correram, primeiro, o risco de morrer, depois de perder membros do corpo e ainda lutam contra feridas sérias no corpo por terem consumido anabolizantes para cavalos e bois, segundo eles prescritos pela academia onde malhavam.
O uso de substâncias para aumentar massa muscular, embora proibido, é corriqueiro em academias de esquina e, levando em conta o que ocorreu com Netinho, acontece nas melhores famílias, afinal trata-se de um homem que há muito deixou de ser um garoto ingênuo e que está longe de ser desinformado. Tanto sabia dos riscos que omitiu do seu médico pessoal, segundo o próprio tem insinuado em entrevistas, o consumo dos produtos nos últimos sete anos.
A prescrição teria sido feita por médicos de fora da Bahia. Se foi de fora ou de dentro, pouco importa. Como diz a gíria, fica a dica (para todos e para outras estrelas da axé music cujos braços mais parecem o tronco do Incrível Hulk): a vida é pra viver, não pra morrer de bomba. Texto publicado originalmente em 14 de maio de 2013, no jornal Correio da Bahia, pág. 02.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura, e professora de jornalismo da Facom-Ufba.
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