sábado, 21 de abril de 2012

Ninguém é inocente em Brasília

Teleanálise
Malu Fontes
Ninguém é inocente em Brasília. A afirmação deste título não é literal. Em princípio é um arremedo tomado emprestado do título quase homônimo do livro de contos do escritor paulistano Ferréz: ninguém é inocente em São Paulo, sobre a guerra social e a violência vividas nos arredores do Capão Redondo, na periferia da capital paulista.
Depois, a Brasília deste título não é a Brasília literal, não envolve os brasilienses que tocam suas vidas como todo e qualquer cidadão brasileiro. Refere-se, portanto, ao núcleo duro que dá as cartas do poder político do país, a aqueles que decidem como a máquina administrativa brasileira faz tocar a banda no resto do país.
Há sucessivas semanas, a imprensa brasileira não fala em outra coisa senão no escândalo envolvendo a quadrilha de Carlinhos Cachoeira. Desde o mensalão não se via tanto cachorro grande envolvido num escândalo político e sendo citado todos os dias em tudo o que é telejornal, em gravações para lá de constrangedoras.
Mas não deixa de ser curioso que, diante de acordos criminosos dessa natureza, os detentores de cargos políticos (deputados, senadores, governadores) ainda continuem sendo apontados pela população brasileira como os protagonistas exclusivos desse tipo de estripulia com o dinheiro público.
Tuba do bicheiro – A imprensa está aí todos os dias escancarando, embora a maioria dos leitores, telespectadores, cidadãos, enfim, resistam bravamente em enxergar, que é impossível existir corruptos sem que existam corruptores do mesmo quilate. Neste aspecto, as esteiras de crimes desfiladas diariamente nos telejornais brasileiros locais e nacionais, de um lado sobre casos de violência urbana praticados por grandes quadrilhas organizadas e, por outro, sobre grandes golpes envolvendo corrupção, têm algo em comum.
Assim como nas organizações criminosas que protagonizam casos de violência quase sempre existem policiais envolvidos, nos casos de corrupção invariavelmente está a presença ostensiva e endinheirada de empresários dispostos a tudo para corromper representantes do poder público.
Jornalistas - Do episódio Carlos Cachoeira, que de Goiânia comprava o Brasil, passando por congressistas de pelo longo a pelo nenhum, empresários, grandes construtoras e até mesmo jornalistas de alta plumagem de veículos renomados, aos quais o bicheiro dava de bandeja gravações clandestinas cheias de segredo sobre gente poderosa, emerge a cada dia um personagem novo.
Se no princípio da coisa era apenas o senador Demóstenes Torres a surpreender seus eleitores que, de uma hora para a outra, viram que a nudez do paladino da ética no Senado ia muito além da careca, o fato é que, de lá para cá, não para de sair gato da tuba de Cachoeira.
Esta semana foi a vez de entrar na cena do angu o empresário, construtor e novo rico Fernando Cavendish, amigo tipo unha e cutícula do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, do PMDB, partido que, sob a indicação do maestro Renan Calheiros, dará parte generosa das cartas na CPI que vai investigar as teias de Cachoeira e suas relações com o mesmo Cavendish.
Para quem tem memória curta, o Google tá aí para rememorar que a queda de um avião de grã-finos num paraíso no sul da Bahia revelou a intensidade das ligações fraternais perigosa entre Sérgio Cabral, Cavendish e as incontáveis licitações vencidas por este último em tudo o que é obra no governo do Rio de Janeiro na gestão atual.
Collor, o impoluto - O telejornalismo passou a semana especulando que, se Carlinhos Cachoeira já perdeu a liberdade, os amigos poderosos, o cabelo, a mãe (morreu há uma semana), mais de 10 quilos, portanto, já não tem nada a perder. Essa insinuação leva à especulação de que o bicheiro vai abrir a boca e que, assim sendo, proteja-se quem puder, pois se há algo que o Brasil sabe é que, em Brasília, essa Brasília cujos nomes frequentam CPIs, ninguém é inocente.
Coincidências à parte, até o pétreo e férreo José Sarney começou a semana enfartando. Mas falando-se da falta de inocência na CPI de Cachoeira, Demóstenes é fichinha: é ou não é o máximo das voltas que a história dá ouvir William Bonner e Patrícia Poeta anunciando que entre os senadores estrelados indicados para julgar a quadrilha empresarial e política do rei dos bingos de Goiânia está ninguém menos que o impoluto Fernando Collor de Mello?
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 21 de abril de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA.

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