Teleanálise
Malu Fontes
Alguns dos espaços antes ocupados, no jornalismo impresso e no telejornalismo, por um subgênero chamado de jornalismo de serviço, serviam para informar aos leitores e telespectadores o que abriria e fecharia nos feriados, cotação de preços de produtos alimentícios básicos em períodos especiais ou estações, onde encontrar atendimento para uma série de demandas sociais, dicas de emprego e de outras oportunidades, foram, aos poucos sendo substituídos pela tendência da auto-ajuda. Nos últimos anos tal tendência virou febre e a televisão embarcou nessa onda sem nenhum comedimento.
Das bancas de revistas, aos jornais impressos e nos programas de TV matutinos e vespertinos é impossível contar a quantidade de produtos voltados para dizer às pessoas como elas devem viver, comer, dormir, fazer sexo. Enfim, para qualquer ponto que se olhe da indústria cultural há um texto, um apresentador, um especialista ou, na maioria das vezes, um picareta de plantão na televisão, dizendo o que as pessoas devem fazer para serem felizes e viverem bem todos os dias da vida.
O fenômeno é tão alarmante que basta ler, ouvir ou assistir as falas desses conselheiros de plantão, personais de tudo, para deduzir que o enunciado dos seus discursos, no conjunto, não diz outra coisa senão: se vocês fizerem tudo o que a gente manda, comerem tudo o que a gente aconselha, fizerem os exercícios certos, usarem os produtos que recomendamos, nunca morrerão, pois as causas da morte ou os riscos de esta acontecer desaparecerão de suas vidas.
Vassoura - A televisão aberta vive hoje uma febre em suas grades de um gênero que pode ser chamado ironicamente de telejornalismo prescritivo, caracterizado como um discurso de papagaio treinado que repete sem parar tudo o que o cidadão deve fazer: de quanto em quanto tempo deve trocar os travesseiros e por quais para não ser acometido de síndromes alérgicas irreversíveis a como pegar direito na vassoura e manejá-la para limpar a casa sem que a coluna vertebral um dia se desmonte e para, de quebra, perca-se algumas calorias e ganhe-se massa muscular.
Sim, a faxina de casa é apresentada à dona de casa como uma irresistível forma de exercitar o corpo. Desde que seja feita, é claro, com muito prazer e com movimentos mais articulados e coreografados diante da vassoura, do balde d’água e do pano de chão do que os de um corpo de baile de um grupo de dança premiado por suas coreografias.
Se o Fantástico, no quadro Medida Certa, já colocou seus apresentadores, Zeca Camargo e Renata Ceribelli a fazer diante do público todos os esforços do mundo para ensinarem aos telespectadores como entrar em forma, agora é a vez de ensinar a mesma coisa às crianças. Recrutou algumas, todas gordinhas, exceto um garoto, para fazer o mesmo no Medidinha Certa, ensinando-os (e aos pais) a comer e ter um corpo bom.
No mesmo Fantástico, não faz muito tempo o Doutor Bactéria ensinava o tempo certo para trocar a esponja de lavar pratos. Mas se todo programa de TV que se preze hoje tenha embutido em seu formato um quadro dizendo o que alguém deve fazer e o que evitar, o prêmio vip da categoria fica com o global matinal Bem Estar. No programa se aprende de tudo. É o formato mais redondo do que já se pode chamar de jornalismo prescritivo, um jornalismo que tem como mote prescrever receitas cotidianas de como viver da maneira certa.
Vivarina - Assim como há algum tempo todo mundo se perguntava se as facas Ginsu (anunciadas como capazes de cortar até pedra) cortariam as meias Vivarina (uma meia fina feminina à prova de qualquer dano, de unha de gato a escoriações em chão árido), hoje já se pode perguntar do que morrerão as pessoas se elas cumprirem todas as prescrições que os especialistas de plantão desfiam nos programas de TV.
Todas as doenças parecem ser passíveis de serem evitadas e até mesmo a violência parece ser coisa da ordem da escolha das vítimas. Rodrigo Pimentel, o Capitão Nascimento de carne e osso, está todos os dias na Globo ensinando todos como fazer para evitar assalto e repetindo pela enésima vez como uma mulher deve carregar uma bolsa para que esta não seja levada pelo ladrão.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.
Texto publicado originalmente em 16 de junho de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA.
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