quinta-feira, 23 de maio de 2013

O medo de voar em seis histórias

Uma foi de Brasília a Buenos Aires de ônibus, outro se dopava com Rivotril quando tinha um voo a trabalho. Leia o que algumas pessoas já passaram por causa do pânico. 
"Procurei todos os tratamentos, da cabala à regressão" (Paola Furini, 40, advogada)
Nem sei mais quanto eu já perdi de dinheiro por causa desse medo maldito. Ele começou quando eu tinha 12 anos. Estava voltando dos EUA, e o avião despressurizou. Aos 19, viajei com um namorado. Mas, quando você é jovem e está apaixonada, enfrenta qualquer coisa, né? Entrei outras poucas vezes em um avião e sempre com algum remédio tranquilizante. 
No ano passado, estava em Porto Alegre, com a passagem de volta para São Paulo comprada, e mudei de ideia. Aluguei um carro por quase R$ 2.000 e fiquei 13 horas dirigindo. Louca, né? Sozinha, em uma estrada que não conhecia, cheia de caminhões... Bem mais perigoso que voltar de avião. Procurei todos os tratamentos. Regressão, cabala, umbanda, igreja evangélica... Tudo, mas nada adianta, o medo não passa. 
"'Matava' minha mãe para fugir de reunião fora"
No meu antigo emprego, eu "matava" mãe, pai, tio, tia... Valia qualquer coisa para fugir de um compromisso fora da cidade. Quando não tinha como escapar, tomava remédio. Eram 67 gotas de Rivotril (um ansiolítico). Ficava completamente dopado. Há anos, vou ao psicólogo. Hoje (27 de abril, após voar com o grupo de Elvira Gross), voei. É um novo começo na minha vida. O entrevistado não quis se identificar. 
"Levei 2 dias para chegar a Buenos Aires de ônibus" (Evaine Cabral, 47, professora)
Já passei muito sufoco por causa do medo. Nas férias de 2009, fui de Brasília a Buenos Aires de ônibus. Paguei quase R$ 1.000 e levei mais de dois dias para chegar. Minhas irmãs foram de avião, em menos de sete horas, por R$ 250. 
O medo atrapalha demais. Comecei a senti-lo há nove anos. Estava dentro de um avião, na primeira fileira de assentos, e a comissária não conseguia fechar a porta. Ficou batendo com força. Aquilo me assustou e, na hora, pensei: "Vou ser a primeira a ser jogada para fora". Desde então, voei só uma vez, para nunca mais. Até fazer o curso [oferecido pela psicóloga Elvira Gross].
Minha irmã ficou sabendo das aulas e me falou. Vim com ela de Brasília a São Paulo de ônibus. Fiz o curso intensivo, em três dias, e estou voando hoje (dia 27 de abril, data da entrevista). Agora, que consegui, ninguém me segura!
"Paguei R$ 25 mil, cheguei na fila do check-in e desisti"
Em 2000, estava indo para Lisboa, e uma pessoa fumou no banheiro do avião. Houve um princípio de incêndio, e o avião se preparou para pousar no mar. Não preciso dizer que entrei em desespero. Depois desse episódio, viajei de avião mais duas vezes, mas, para falar a verdade, foi horrível. Só ficava pensando que teria que voltar de avião.
A gota d'água para eu procurar ajuda foi em março. Fechei uma viagem com a minha filha adolescente para a Alemanha. Fomos até Cumbica, cheguei a ficar na fila do check-in, mas desisti. Íamos ficar 15 dias lá, já estava tudo pago, R$ 25 mil. Voltei para casa e fiquei quatro dias chorando, me sentindo impotente. Como o medo podia impedir que eu viajasse com a minha filha? É uma sensação horrível. A entrevistada não quis se identificar. 
"Em avião pequeno, não entro nem se estiver amarrada" (Flávia Carbonari, 32, consultora)
Não é que eu ficava contando tragédia, mas, no ano passado, época mais forte do meu pânico, eu lia tudo o que saía sobre acidente aéreo. Sempre viajei muito, mas, há dois anos, num voo turbulento de São Paulo para o Paraguai, eu "paniquei".
Como voar é importante para mim, fui procurar uma saída. Fiz terapia. Conversei com um piloto da Embraer. Falo sempre com as aeromoças. Já agarrei muito a mão de estranhos, não tem jeito. Nunca tomei remédio porque sabia que ia continuar a viajar e o medo não ia parar. Trabalho que é uma beleza quando estou no avião. Faço tudo para não pensar que estou voando. Mas fico apavorada. Meu marido morre de rir quando vê meus ataques.
Nunca perdi uma oportunidade por causa do medo, mas não me mandem viajar em avião pequeno porque eu não vou. Nem amarrada. 
"Mesmo com medo, quando é preciso, voo até de teco-teco (Moacyr Lopes Jr., 44, repórter-fotográfico da Folha)
Voar para mim já foi pior. Mas ainda sinto tensão e ansiedade horas antes do embarque ou até dias antes. Quando o tempo está fechado, então, é um horror. Dá vontade de não embarcar. Mas, fazer o quê? Ainda não existe o teletransporte, que é o sonho de nós, ansiosos, que temos medo de sofrer com turbulências, falta de informação, arremetidas e problemas técnicos que somatizam nossos dramas. Sofremos por antecedência.
Apesar do medo, meu currículo como passageiro é longo. Já fui a mais de dez países. Sobrevoei a selva amazônica em monomotor procurando a pista em meio a queimadas. Mas, para mim, voar vai ser sempre uma necessidade. Ainda mais agora que os espaços entre as poltronas estão menores, as refeições, pequenas, os aeroportos, cheios e desorganizados e os funcionários das companhias, estressados, gritando.
Antes, podíamos visitar a cabine dos pilotos, o que dava um pouco mais de segurança. Agora, nem vemos os rostos deles. Há alguns anos, quase desenvolvi uma crise de pânico na véspera de uma longa viagem. A ajuda veio com um psiquiatra, que me deu um ansiolítico. Santo remédio. Texto publicado originalmente em 23 de maio de 2013, no jornal Folha de São Paulo, caderno Turismo.

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