sábado, 23 de agosto de 2008

Ainda com saudade de Dorival

ANTONIO RISÉRIO
Publiquei um artigo sobre Caymmi na "Folha de S. Paulo". Não estava com vontade de escrever nada sobre o assunto. Mas o pessoal do jornal ligou, no sábado à tarde, pedindo um texto. E acabei escrevendo. No mesmo sábado, a caminho do pôr-do-sol. E acabei ficando com vontade de escrever um pouco mais sobre o mestre.
Talvez porque o artigo da "Folha" tenha sido mais intelectual, falando de Caymmi de uma perspectiva antropológica, histórica e estética. E talvez, também, porque não traga nenhuma novidade ao leitor que tenha eventualmente lido meu livro sobre a poesia e a música caymmianas, Caymmi: Uma Utopia de Lugar, publicado há 15 anos aqui em São Paulo, pela Editora Perspectiva, do Jacó Guinsburg.
Mas a verdade é que estive pouquíssimas vezes com Caymmi. Quando estava escrevendo o livro, Caetano chegou a me perguntar, curioso: "Mas você não vai conversar com ele?". Respondi que não. E me expliquei: "Caymmi é o rei da sedução. Se eu for conversar com ele, não vou mais conseguir fazer uma análise isenta da obra dele". Manter distância do objeto de estudo era, neste caso, uma auto-exigência metodológica. Mesmo assim, passei uma tarde inteira conversando com ele, num hotel de Salvador. Falamos das mais variadas coisas, menos do livro. Um amigo tirou fotos desse encontro, onde consumi diversas caipiroscas. Quando o livro saiu do forno, enviei imediatamente um exemplar para o velho.
Ele leu. Ligou lá para casa. E ficamos horas conversando no telefone. Praticamente, só ele falava. De uma forma educadíssima, bonita e sedutora. "Este seu criado aqui agradece muito o que você diz. Mas não quero falar de mim, não. Vamos conversar sobre a Bahia. Porque seu livro é como o de Vilhena. É sobre a Bahia. Eu vou aparecendo, mas é no meio da renda. Porque você vai escrevendo assim... de uma forma rendada. O livro é como aquelas rendas lá do Ceará". E, quando se despediu, desejando coisas boas, completou: "Me recomende aos seus".
No lançamento do livro, na Bahia, a festa, organizada por José Cerqueira no Solar do Unhão, foi uma delícia. Mas, no Rio, armou-se um tremendo barraco na imprensa. "O Globo" dava destaque bem elogioso. No "Jornal do Brasil", ao contrário, baixaram o sarrafo. Tudo por conta de uma referência que eu tinha feito à forma claramente preconceituosa com que Noel Rosa lidava, em seus sambas, com negros e com a macumba.
Telefonei para o mestre. Perguntei se ele tinha visto o que estava saindo no Jornal do Brasil". Claro. "É uma coisa sem cabimento – e muito mal educada", disse. Falei com ele que poderia pintar algum clima chato na noite do lançamento, na Marcabru.
O Lizst Vieira, então deputado carioca pelo PT, observou que a reação do jornal à minha crítica era exagerada porque, naquele momento, o Rio estava com a autoestima lá embaixo. Eu disse então a Caymmi que ele não precisava ir ao lançamento. E ele: "Não, de modo algum. Nós vamos juntos. E estaremos irresistíveis".
Que maravilha de pessoa. Anos depois, aliás, Caymmi me fez o elogio que mais gostei de saber. Foi numa conversa com a cantora Jussara Silveira. Ela estava preparando um disco e um espetáculo com canções de Caymmi. E disse a ele que estava lendo meu livro. Caymmi sorriu e comentou: "Risério... ele é uma flor de homem". Quando Jussara me contou, adorei.
Mais recentemente, quem me ligou para conversar sobre Caymmi foi o Francisco Bosco, que estava então escrevendo um livro sobre ele (foi publicado: é um dos volumes da coleção "Folha Explica", da Publifolha). Ficamos um tempão falando, trocando figurinhas caymmianas. Foi uma delícia. Francisco, filho do músico João Bosco, é um sujeito culto, um cara estética e intelectualmente refinado. Escreve bem. E saca o velho Dorival com rara inteligência e sensibilidade.
Pois é. E agora o poeta se foi, subindo por dentro das estrelas. Conversei ao telefone com João Santana e Jaques Wagner. Escrevi o artigo para a "Folha". Mas depois fiquei meio sem saber o que pensar. Até que recebi um bonito e-mail do Francisco Bosco: "Risério, não posso deixar de me comunicar com você na ocasião da partida de nosso pai... Eu não fiquei triste, porque sempre soube que ele nunca morreria – e não vai ser esse fato agora que vai me desmentir".

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