Horas de espera saltando pocinhas
Teleanálise
Malu Fontes
O marketing tem, sim, o poder de matar ou fazer explodir positivamente um jeito de se fazer Carnaval em Salvador. O debate é velho, mas não mais velho que a repetição das mesmas imagens, dos mesmos enquadramentos que, durante uma semana, se vê, com raras exceções, em todas as emissoras locais de TV. Algumas dessas emissoras reivindicam para si e suas crias um protagonismo maior do que o da própria festa em si. E quando acha-se que já se viu tudo o que poderia haver de pior, eis que alguma transmissão vai ao ar para provar que tudo sempre pode piorar. Este ano a piora foi o caso da mocinha Lola Melnick (ucraniana, dizem), uma espécie de cover estéril da recém-falecida condessa Carola Scarpa (que Deus a tenha!). A curvilínea calipígia foi enviada pela emissora de Sílvio Santos para matar de vergonha os profissionais locais do jornalismo da TV Aratu, retransmissora do SBT em Salvador.
BAÚ – Acompanhada da de um Tiririca Cover, acometido do auto-engano trágico de achar-se engraçado, e de outro menino topetudo e sempre enfiado num colete, com cara de quem foi criado num playground paulistano tomando Toddy, Lola parecia ter desembarcado de Marte direto no estúdio do Homem do Baú. Como se diz, quanto mais envelhece, mais Sílvio Santos faz seu público de imbecil. Mas é fato que este, o público, parece ficar muito contente neste lugar de iôiô. Cada fala de um dos integrantes nacionais do trio escalado para transmitir o Carnaval de Salvador dava a Casemiro Neto, Zé Bim e Léo do Pida, os responsáveis locais pela transmissão, um ar de sábios consultores carnavalescos importados da Biblioteca de Alexandria ou de hábeis e críveis redatores da Wikipédia.
Lola é uma dessas moças que aparecem na televisão, um monte de gente já viu seu rosto pelo menos uma vez na vida, mas ninguém sabe dizer quem ela é muito menos o que ela faz e do que ela vive. E isso nunca vai mudar. A ucraniana tem uma aparência inesquecível, pois remete imediatamente à impressão de alguém que extirpou meia dúzia de costelas para se transformar numa cintura com vida própria, assentada sobre quadris desproporcionais encapsulados em saias mais justas que as leis divinas. Outra característica da moça é que, se perguntada sobre qualquer questão prosaica sobre Salvador, Beirute, Apucarana, Tremembé ou a revolta na Líbia, por exemplo, ela provavelmente emitirá os mesmos ruídos sonoros, nenhum com sentido. Até ao concorrente Faustão a moça se referiu no domingo de Carnaval. Não, não foi por ousadia ou risco criativo, não, mas por falta de noção mesmo.
DINOSSAUROS - É fato que o Carnaval de Salvador divide-se em três e que apenas uma dessas modalidades dá as cartas do negócio quando se trata de ganhar dinheiro, gerar lucro, tornar escancarado o sorriso de donos de blocos e de hotéis e os representantes políticos que estão no mundo para, basicamente, fazer essa holding de gente cada vez mais feliz. Afora esse Carnaval, há os últimos estertores do povo teimoso que insiste em dar vida às manifestações populares, que se recusa a deixá-las ser dizimadas como foram os dinossauros e que cria o Circuito Caramuru, enche o Pelourinho de gente e dá vida e fôlego à Mudança do Garcia. E, por último e em muito maior quantidade, o povo que, com uma paciência de gado e saltitando entre uma pocinha e outra do mijo que escorre caudaloso por todo o circuito vip, se submete a esperar coisa de horas para dar uns pulinhos animadérrimos com alguma das estrelas coroadas da festa. E aqui merece aplausos quem, de um jeito ou de outro, é um dos abençoados do deus-mercado e não dá uma banana para o povo que não pode pagar por um bloco de cordas. Nunca será demais incentivar quem tem fama, talento, poder e prestígio e toca e canta sem cordas no carnaval, um dia que seja.
VAQUEIRO - A festa dos Camarotes, assim como sua transmissão pelas emissoras de TV, são extensões privilegiadas da festa vip dos blocos, mas têm uma outra função secundária. A partir deles, de dentro deles e somente do alto deles, é possível se ter uma ideia da “luta de classes coreografada” na terra do axé. Em Ondina, na rua interna que ladeia a Avenida Oceânica, vê-se um mar de gente a perder de vista, parado, posicionado, esperando o momento mágico em que o ídolo vai passar. A passagem dura poucos minutos, as pessoas se acabam de dançar, pular, sair do chão, jogar mãos para o alto, e também se acabam de brigar, bater e apanhar entre si, para se aquietarem de novo, passivos, como cordeiros sem cordas, esperando um novo vaqueiro passar, tangendo-os e à sua alegria programada e breve. E em 2012 tudo se repetirá de novo, do mesmo jeito, para o estado das coisas permanecer também o mesmo. Só muda se o marketing quiser. E este parece não querer.
Texto publicado originalmente em 13 de março de 2011, no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com
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