sábado, 9 de junho de 2012

Crimes por paixão

Daniel de Barros
Ainda é muito cedo para saber exatamente o que se passou no caso do assassinato e esquartejamento do empresário Marcos Kitano Matsunaga. Não é por acaso, no entanto, que já se fala nos casos extraconjugais que ele teria e também na apólice de seguros que beneficiaria a viúva: homicídios, quando envolvendo pessoas comuns, frequentemente são motivados por paixões; e sabemos muito bem que sexo e dinheiro figuram entre os principais objetos da paixão humana.
A viúva Elize Matsunaga disse que atirou no marido após ser agredida numa discussão, o que é compatível com um ato cometido no calor da hora, mobilizado pela emoção. Mas ao mesmo tempo parece ter havido alguma preparação, dado o aparentemente planejamento prévio do esquartejamento e sumiço do corpo.
Isso não é necessariamente uma contradição: embora o crime passional seja mais frequentemente associado atos realizados num arroubo de raiva, o planejamento não impede que se trate sim de um crime movido por paixão – por isso chamado passional. Estados afetivos muito intensos, dificultando a correta avaliação do comportamento, são chamados de catatimia, que significa “em acordo com as emoções”.
Nesses casos a intensidade dos afetos da pessoa é de tal monta que pode distorcer o raciocínio, os pensamentos, levando eventualmente ao que o psiquiatra alemão Fredric Wertham chamou de “crise catatímica”. Não que o estado emocional por si só leve ao ato criminoso, mas emoções muito intensas geram ideias distorcidas, medo ou tensão crescentes, até dar lugar à tal crise, quando o balanço entre lógica e afetividade fica perturbado e a pessoa conclui que o ato violento é a única saída. Normalmente ela consegue adiar o ato por um tempo, mas chega o ponto em que o conflito se torna insuportável e o crime finalmente ocorre.
Para a lei, no entanto, esse estado não pode ser invocado como superior à capacidade racional do indivíduo. No Código Penal brasileiro consta, no artigo 28, que “Não excluem a imputabilidade penal: I – a emoção ou a paixão”. Ou seja: mesmo que motivada por estados afetivos intensos, como ocorre na catatimia, a pessoa continua sendo responsável por seus atos, uma vez que não teve um prejuízo real e global em sua racionalidade.
Assim, como o que define o ser humano – ao menos até hoje – é ser um animal racional, a opção da lei é somente excluir a pena quando ao criminoso falta o discernimento ou autocontrole em virtude de doença mental.
O crime passional, portanto, muitas vezes invocado como justificativa para atos extremos, não isenta as pessoas de sua responsabilidade, pois estar “louco de amor” é bem diferente de estar mentalmente doente.
Daniel de Barros é psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC), onde atua como coordenador médico do Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica (Nufor). Doutor em ciências e bacharel em filosofia, ambos pela USP.

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