Investigação é atividade de polícia
Luiz Flávio Gomes
O atual clima de insegurança pública e de medo vem gerando uma forte demanda popular e midiática por mais rigor penal, maior efetividade do Estado nessa área e pelo fim da generalizada impunidade, sobretudo da corrupção e das mais graves e sistemáticas violações dos direitos humanos.
É nesse quadro de intranquilidade nacional e de protestos reiterados, que vem se agravando assustadoramente desde 1980 (quando contávamos com 11,7 mortes para cada 100 mil habitantes, contra 27,3 em 2010), que o Ministério Público, duramente cobrado pelas reivindicações punitivistas, passou a investigar alguns delitos por sua conta e risco, especialmente os relacionados com o crime organizado e os cometidos por policiais.
Por mais que a jurisprudência, nomeadamente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, continue ratificando as suas investigações autônomas ou paralelas, a verdade é que ainda não existe lei inequívoca que lhe dê, com nitidez, esse poder. Daí as contínuas controvérsias e alegações de nulidade, que andam forjando grande insegurança jurídica sobre o tema.
A maior prova da nebulosidade nesse campo reside no seguinte: por falta de expressa disposição legal, que é exigência básica do Estado de Direito, primordialmente quando em jogo estão direitos fundamentais dos investigados, todo procedimento dessa natureza do Ministério Público está regulamentado por resoluções ou atos normativos dos procuradores-gerais.
Esses atos, no entanto, não possuem o status de lei. Diante desse déficit de legalidade, as investigações não são uniformes, e os procedimentos adotados não são idênticos.
O mais grave: não existe controle judicial periódico delas. Aliás, há juízes que não as reconhecem e, assim, se recusam a arquivar tais procedimentos, quando nada é apurado contra o suspeito. Nem é preciso enfatizar o limbo em que se encontra essa situação, e tudo por falta de regulamentação legal.
Seja por falta de segurança jurídica, que deveria ser enfrentada pelo legislador urgentemente, seja por ausência de estrutura material, seja, enfim, pela falta de treinamento específico - especialização - para o adequado desempenho da atividade investigativa, não há como o Ministério Público assumir, neste momento, de forma independente, a premente tarefa de apurar os crimes e sua autoria. Por maior boa intenção que exista, ninguém pode dar passos maiores que as pernas.
No estágio em que nos encontramos, de aguda insegurança coletiva e de medo difuso, todo esforço investigativo do Ministério Público, supletivo ou complementar, sobretudo quando se trata do crime organizado, dos crimes do colarinho branco e dos praticados pela própria polícia, será muito bem-vindo, mas sempre em conjunto com os órgãos autorizados, para isso, por força de lei expressa e inequívoca.
Nosso Estado Democrático de Direito muito ganharia se todas as instituições de segurança pública deixassem de se digladiar e somassem seus parcos recursos e ingentes esforços no sentido de proporcionar à nação brasileira uma Justiça mais equilibrada, mais justa e menos sujeita a improvisações, discriminações e incertezas.
Luiz Flávio Gomes, 54 anos, é doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Texto publicado originalmente em 23 de junho de 2012, no jornal Folha de São Paulo, Caderno Opinião.
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial