Desdentados e superdentados
MALU FONTES
Pouco mais de uma semana após o início do horário eleitoral na televisão e no rádio, os eleitores mais atentos de Salvador já chegaram a uma triste conclusão: estão ferrados. Até mesmo os mais otimistas e politizados não se furtarão a experimentar certa sensação de orfandade eleitoral, um quê de espanto diante de quase nenhuma opção, segundo o que se vê e ouve na tela da TV, para representá-los na Câmara de Vereadores. Só para lembrar, a "Casa do Povo" custa milhões ao povo de Salvador, mas no frigir dos ovos serve bem mesmo é à casta de empresários que loteiam a cidade em negócios e cifrões. O setor da construção civil, por exemplo, mantém com os vereadores uma intimidade do tipo unha e cutícula.
Logo de saída o telespectador pode tirar várias conclusões. A primeira: esteticamente nunca o eleitor esteve tão mal servido. Se prevalecesse nas convenções dos partidos políticos aquela tese nojentinha dos blocos de carnaval metidos a emergentes, a de "só tem gente bonita", a relação de candidatos teria apenas uma meia dúzia, mesmo assim com muita boa vontade. Outra conclusão óbvia é a de que, se a saúde, em linhas mais amplas e gerais, anda de mal a pior em Salvador, caos mesmo vive a saúde bucal dos moradores da cidade.
SEM DENTES – Espanta no programa, e muito, a quantidade de desdentados e o desfile de dentições de precárias para baixo. Os estudantes de odontologia têm na tela um mote e tanto para monografias, dissertações de mestrado, artigos científicos e teses de doutorado na linha “o horário eleitoral gratuito em Salvador como representação da precária saúde bucal da população”. Haja falta de dentes: na arcada superior, inferior, nas laterais. E, em contrapartida aos semibanguelas, há vários superdentados, com dentes enormes, muitos deles tortos em tudo o que é direção.
Outro capítulo à parte é a (in)eficiência de barbeiros, cabeleireiros e maquiadores da cidade instados a preparar essa turma para gravar o programa. Nunca se viu tanta gente junta com cabelo mal cortado (alguns deles nunca cortados nos últimos 20 anos), barba e bigodes malamanhados e maquiagem fora de tom. Embora existam no mercado excelentes produtos estéticos para mulheres de pele negra, por exemplo, algumas candidatas foram engabeladas por algum maquiador que lhes tascou pancakes tão claros que parecem mais massa corrida, dando às candidatas uma cara de personagens de teatro kabuki japonês. O pescoço de uma cor e a pele do rosto de outra, enevoada em uma máscara branca que só trovoada de março para arrancar.
COMILANÇA DE LETRAS – O outro aspecto que salta aos olhos é a falta de intimidade absoluta com a língua portuguesa. É possível até mesmo pensar que um dos critérios para ser indicado candidato nas convenções dos partidos é falar errado, mal, com dicção medonha e cometer todos os erros possíveis, de concordância à comilança de letras. Raros são aqueles que pedem votos e demonstram capacidade de usar corretamente sujeito, verbo e predicado. Associar corretamente gênero, número e grau então, só por milagre.
Mas não seria horário eleitoral se não fossem tais aberrações. Há quem não suporte assistir ao programa e há explicação, tanto psicanalítica quanto poética para isso. Narciso literalmente detesta o que não é espelho. Baiano é um bicho vaidoso e de visão distorcida por natureza sobre si mesmo. Imagina se algum soteropolitano vai se identificar com esse exército de Brancaleone eleitoral, uma turma que parece estar ali pedindo voto, mas que, mais do que para isso, está ali é para mostrar tudo o que pode e sabe fazer pela cidade e seus habitantes: absolutamente nada. É o luxo do lixo ver tanta gente despreparada querendo fazer de um mandato um emprego excelente durante quatro anos para se locupletar.
BOQUINHA DA GARRAFA – Imagine-se o momento ímpar que se pode ter caso alguns candidatos sejam eleitos. Por exemplo, um embate, no plenário da Câmara Municipal de Salvador, entre Sara – a candidata dançarina, aquela que imortalizou um clássico do axé baiano, A Boquinha da Garrafa, uma das maiores contribuições para a história da música brasileira, que aparece no horário eleitoral com muito pancake, sombra over e um chapéu meio panamá –, e ninguém menos que Jorge Pedra, o apresentador de programa de TV voltado para emergentes dispostos a vender um rim da mãe para aparecer em um programa de celebridades de quinta. Ambos são candidatíssimos.
Mas para atenuar qualquer possibilidade de inferioridade eleitoral baiana, quem tem TV a cabo em casa tem uma excelente terapia do consolo. Basta sintonizar uma emissora do Rio de Janeiro ou São Paulo, as duas maiores metrópoles brasileiras, e verá a desgraceira que se tem por lá. Aguinaldo Timóteo e Afanázio Jazadji como candidatos a vereadores, por exemplo, é a vingança dos eleitores nordestinos contra os narizes empinados dos paulistanos quatrocentões. E há quem diga que horário eleitoral não serve para nada. Ora, para gargalhar da miséria política de cada dia, o que há de melhor?
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