sábado, 25 de maio de 2013

Ecad - só sei que nada sei

Pedro Tourinho

E o Marcio do Val, gerente de relações institucionais do Ecad, usou este espaço na última semana para defender seu ganha-pão, dizendo que “reinventar a roda pode não ser a melhor solução” para o Ecad. Pois bem, pergunto: melhor solução para quem? 
Temos um país inteiro que não sabe para onde a roda do Ecad gira. E esse é o grande ponto da questão: Márcio está certíssimo em seu artigo quando questiona meu conheci-mento sobre o funcionamento do Ecad, realmente sei muito pouco sobre como esse ente privado de monopólio público funciona. Nem eu, nem a imensa maioria dos autores, produ-tores de eventos, e nem ninguém sabe como o Ecad fun-ciona. 
Portanto, para dar continuidade à discussão, e socratica-mente partindo do ponto de que “só sei que nada sei”, aproveito o espaço para fazer alguns questionamentos ao solícito gerente de relações institucionais do Ecad, senhor Márcio do Val. 
Márcio afirma que a PLS 129/12 “interfere no direito do autor de estabelecer o preço pelo uso de suas obras”. Primeiro, que hoje autor nenhum define preço pelo uso de suas obras, isso é feito na assembleia do Ecad, composto por sociedades representativas, que têm numero de votos de acordo com sua arrecadação, e que, por conta do peso da execução de musicas internacionais, representam, na verdade, grandes editoras multinacionais, que têm carta branca para decidir sem consultar seus autores. Ou seja, o autor brasileiro não é consultado e, mesmo que fosse, não teria peso para decidir. 
Com a PLS 129/12, o estabelecimento do preço continuaria com a gestão privada, mas teríamos um órgão para trabalhar em cima desses desequilibrios, e para assegurar que todas as partes seriam ouvidas. Mas, sem entrar nesse ponto, pergunto, como esses valores são definidos hoje? Qual a equação?

Como é definido quanto vai se cobrar de um casamento, por exemplo? Ou de um grande festival de música? Vivi pessoalmente situações em que numa canetada o ‘fiscal’ do Ecad reduziu o valor a ser cobrado em 80%. Qual o critério para que isso aconteça? Essa falta de conhecimento não estimula a corrupção?
Outro ponto interessante levantado pelo Márcio é a afirma-ção de que o Ecad não precisa de fiscalização, pois os balan-ços estão todos disponíveis, e que está tudo ok com a Receita Federal e INSS. Pois bem, eu pergunto, e isso é sufi-ciente? Até ouvi dizer que os contadores que analisaram a prestação de contas do Ecad tinham encontrado irregularida-des, como, por exemplo, o uso de dois regimes contábeis no mesmo balanço, mas não posso afirmar isso, porque não vi. 

Mas a fiscalização a que me refiro é administrativa e moral, e não contábil. Como se explica que se paguem bônus milionários aos executivos do Ecad, que dizem estar, em média, a 25 anos nos seus cargos, sem que os autores tenham conhecimento disso? Isso sem falar nos finais de semana motivacionais no Club Med de Itaparica e das suntuosas sedes do órgão em cada cidade.
O autor brasileiro é hoje o que paga a maior taxa de administração/arrecadação do mundo, e nada disso teria problema algum se os mesmos fossem de fato consultados, mas o que existe hoje ao redor do direito autoral no Brasil é uma rede de não-representação. Associações comprometidas com a turma da gestão do Ecad, hackeadas por grandes editoras multinacionais e com estrutura estatutária que permite que decisões sejam tomadas de forma representativa pelos representantes que não representam.
E mais, ouvi dizer, e gostaria que o senhor Marcio do Val confirmasse a informação ou não, que o Ecad cobra um custo mínimo, fixado em 50 salários, para que uma sociedade arrecadadora faça parte do seu sistema, que é um direito público. 

Ou seja, só tem seus direitos autorais arrecadados no Brasil membros de sociedades que pagam uma “consumação mínima” para entrar no Ecad, o que limita o surgimento de qualquer nova alternativa para os autores, que tornam-se reféns das seculares e camaradas associações. Isso é verdade, senhor Márcio? Se não for, por favor, me esclareça.
Enfim, não cabem mais perguntas nas laudas, e paro por aqui. Realmente, senhor Márcio, são muitas dúvidas que pairam sobre o Ecad. Muitas. Em vez de desqualificar quem questiona, tergiversar no contra-ataque com meias-verdades, aterrorizar quem vocês afirmam representar e defender os direitos, vocês deveriam gastar essa energia para esclarecer, disponibilizar a informação de forma democrática e transparente para toda a sociedade, porque, sinceramente, a impressão que nos dá é que, das duas uma, ou vocês não sabem o que estão fazendo, ou não querem que a gente saiba o que vocês estão fazendo. Como são tantos anos, e pessoas tão talentosas do lado daí, tendo a crer que, infelizmente, trata-se da segunda opção. 
Texto publicado originalmente em 25 de maio de 2013, no jornal Correio da Bahia, pág. 02.

Pedro Tourinho é publicitário e produtor cultural

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