Um mar de lama e um bigodão fora do lugar
Malu Fontes
A Tarde, domingo, 24 de fevereiro de 2008
TELEANÁLISE
Até bem pouco tempo, quaisquer conversas sobre a necessidade de preservação do meio ambiente, consciência ecológica, rigor na seleção dos alimentos consumidos e preocupação com o lixo produzido nas cidades eram, quase sempre, classificadas como coisas de eco-chatos. A poluição, a devastação ambiental e a toxidade dos alimentos têm produzido tantas conseqüências nefastas e letais na vida das pessoas em todo o mundo que o tema se tornou obrigatório e os velhos eco-chatos hoje já são vistos como ingênuos, pois os perigos para os quais alertavam se revelaram, hoje, muito mais severos que aqueles previstos lá atrás. Ou seja, as coisas hoje são mais feias do que pareciam há 20 anos.
Viu-se nos telejornais recentemente que não basta entupir os brasileiros com os hormônios aplicados nos frangos para que estes cresçam, engordem e sejam abatidos em tempo recorde. Além de lesar o corpo, o setor agora lesa o bolso, injetando ampolas e ampolas de água nos frangos que, congelados, chegam a pesar o dobro. E já que valem pelo que pesam, o consumidor paga a conta e leva blocos de gelo para casa no lugar do suposto e inofensivo frango. Viu-se bois vivos sendo empurrados a toques sucessivos e intensos de choques elétricos e mortos em condições sanitárias intoleráveis. No primeiro caso, o bicho libera na carne toxinas de toda ordem. No segundo, bactérias terão como destino, via o bife que se come em casa, o adoecimento dos consumidores.
CARNE HUMANA NO CARDÁPIO - A TV exibe à exaustão casos e casos ilustrativos da revolta da natureza diante do mau uso feito dela pelo homem ou pelo fenômeno que atende vagamente pelo nome de progresso. O mar invade o que lhe foi roubado em áreas nobres do litoral pernambucano por edifícios de alto padrão construídos literalmente na areia; tubarões, expulsos de seu habitat natural para a construção de um porto, também em Pernambuco, passam a incluir no cardápio carne humana, sobretudo pernas e braços e surfistas e banhistas desavisados; vez ou outra a Amazônia e o Pantanal experimentam secas difíceis de parecerem críveis e, na última semana, um fenômeno visualmente surreal aconteceu no litoral do Rio Grande do Sul.
Na Praia do Cassino, a mais de 300 Km de Porto Alegre, o mar literalmente vomitou na areia tudo aquilo que não era seu e os desmatamentos a quilômetros e quilômetros dali que empurraram águas profundas adentro através dos rios. O mar recuou nada menos que 300 metros e passou a despejar em cinco quilômetros de areia ondas de lama escura, arrancada, segundo os biólogos, do fundo do próprio mar, e originada de desmatamentos e destruição de matas ciliares à beira dos rios em diversos pontos do estado. A imprensa, sobretudo a televisiva, para quem uma imagem de extensões de areia cobertas de lama escura teria uma importância educativa indescritível sobre as reações da natureza, cobriram mal e porcamente o fenômeno, com exceção do Jornal da Globo, cujas imagens dos pescadores na praia atolados com lama até o pescoço eram mais assustadoras que quaisquer imagens do cinemão hollywoodiano sobre catástrofes.
BIG BROTHER - As cenas televisivas mais fortes da semana, no entanto, se deram no território da política. Para quem gosta e vive de informação, é um privilégio acompanhar pela TV uma das curvas mais significativas da história: a exibição e leitura da carta de renúncia do polêmico Fidel Castro ao governo de Cuba. Para uns, o último revolucionário do Século XX. Para outros, um ditador sanguinário que executava no 'paredón' os seus opositores (para quem não sabe, daí vem a origem do kitsch paredão do Big Brother – sim, cultura inútil também é fundamental). O fato é que as ações e a trajetória de Fidel são um capítulo fundamental do último século, sobretudo pela sua ousadia, de sozinho (desde o desfazimento da URSS), enfrentar o império mais poderoso do mundo (EUA) e seus embargos econômicos.
A outra imagem emblemática da semana mostrou, mais uma vez, que jamais se deve acreditar em falas de homens públicos. Trata-se das últimas declarações do agora ex-secretário de Segurança Pública da Bahia, Paulo Bezerra, na última terça-feira a uma emissora de TV, quando ainda respondia pelo posto. Questionado sobre os arrastões na Estrada do Coco e na via Cia-Aeroporto e sobre o crescimento assombroso dos índices de assassinato em Salvador nos últimos meses (23 assassinatos em apenas 40h foram noticiados na última segunda-feira), o (então) secretário foi incisivo.
BARBEIRO - Bezerra afirmou que a violência ocorrida na capital baiana não tinha nada demais se comparada com a do resto do Brasil. Disse literalmente, nestes termos, que tudo estava absolutamente sob controle na segurança pública da Bahia. Não estava. A não ser que estivesse se referindo ao controle assumido pela marginalidade. Tanto não era verdade o que dizia que caiu no mesmo dia. Melhor assim, pois a população tem mais uma chance de pensar que as coisas ainda podem melhorar e o secretário terá na agenda tempo livre para passar no barbeiro/cabeleireiro e dar um jeito naquela cabeleira de corte vencido há tempos e naquele bigodão que lhe dá um ar de um xerife texano fora de lugar.
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