domingo, 24 de agosto de 2008

Catarina e os fracos

Malu Fontes
Depois de roubar a cena na novela Páginas da Vida, de Manoel Carlos, interpretando Marta – mãe má e avó péssima –, antagonista da boazinha Helena, interpretada por Regina Duarte, Lília Cabral está mais uma vez triunfante no horário nobre global.Catarina, a dona-de-casa que sofre toda ordem de humilhações verbais, maus-tratos e assédio moral que compõem a cartilha torta do machismo brasileiro, é uma das personagens mais viscerais e ricas de A Favorita.
Em uma semana em que o centro da cidade literalmente travou por conta das passeatas e protestos dos estudantes da Universidade Federal da Bahia (Ufba) pela falta de segurança, revoltados com um caso de estupro no Campus de Ondina, falar sobre Catarina e os modos como seu marido Léo (Jackson Antunes) a trata é ilustrar, embora ainda com alguma leveza em relação ao real, o drama e a realidade de milhares de mulheres brasileiras de carne e osso, vítimas cotidianas da covardia, da fraqueza moral e da sordidez de machos para quem o órgão sexual e a força física ainda são apontados como armas contra suas companheiras e contra mulheres em geral.
Sofrimento sem memória – Questionada por suas irmãs sobre a razão de dar continuidade a um casamento que a tortura dia após dia, Catarina tem como resposta, mais para si mesma do que para quem formula a pergunta, a lembrança que mantém do começo da vida a dois, quando tudo era leve e agradável. Presa a essa memória agradável, mas turva, de um passado que há muito se tornou poeira do tempo, desapareceu e jamais será ressuscitado, a filha do velho Copola (Tarcísio Meira) prolonga um sofrimento moral em nome de uma nostalgia e de uma esperança mais falsa que uma cédula de 15.
Catarina busca, com sua tolerância e resistência ancoradas em nostalgia inconsistente, alimentar a possibilidade de uma mudança de comportamento do marido ou da realização de um milagre em torno da expectativa de que, num piscar de olhos, o pesadelo da vida doméstica dê lugar a um tempo de amanhãs que cantam.
Fora da tela da TV, milhões de Catarinas parecem fortalecer a máxima de que sofrimento não tem memória ou a tem muito curta. Ofuscam a dor aguda de ontem com a lembrança esmaecida de uma felicidade de anteontem e, assim, vão esquecendo de lembrar que homens fracos e sórdidos como os Léos da vida não mudarão jamais e que milagre é coisa para poucos, mesmo assim para aqueles que vivem lá pelos domínios dos santos.
A sorte é que a velocidade do comportamento feminino mudou e, mesmo que algumas o façam a passos de tartaruga, cada vez mais Catarinas recusam a proposta de bancar a Carolina, aquela moça da canção que fica na janela, o tempo passando, e só ela não vê.
Palavras e falo – Quanto ao machismo brasileiro e sua medonha suposição de superioridade hierárquica de gênero, continua a produzir formas e formas de estupro e engana-se quem pensa que somente homens pobres, rudes e iletrados assim se comportam. As classes média e alta estão abarrotadas deles, muitos travestidos em pele de liberais cabeça-aberta na vida pública.
O fato é que, em pleno século XXI, os estupros de toda ordem continuam a se perpetuar, dos verbais e morais do tipo cometidos por homens como o Léo dramatúrgico de A Favorita, aos estupros cometidos por ladrõezinhos com desordens sexuais como esse que entrou na crônica policial depois de agir no campus da Ufba.
Por trás dos dois, tipos fracos que diante do espelho mantêm a certeza do quanto são inseguros, inconsistentes, fracos e feitos de nada aos olhos do mundo. Os primeiros usam as palavras e por vezes os músculos como estratégias de submissão contra as mulheres; os segundos, com uma arma na mão, transformam também em uma o falo doente que carregam sob as calças, cometendo atrocidades dessas das quais as delegacias de mulheres em todo o Brasil são abarrotadas dia a dia.
Vergonha alheia – Saindo um pouco do machismo e de suas manifestações reais e simbólicas para entrar na seara da língua portuguesa, uma pergunta para reflexão no domingo: por que será que tanta gente aparentemente letrada, inclusive na mídia eletrônica, não adestra os neurônios e insiste em passar a vida inteira pronunciando célebro (em vez de cérebro), mendingo (em vez de mendigo), previlégio (em vez de privilégio) e, somente para não sair do tema, estrupo (em vez de estupro)?
Como ilustração desse crime vocabular, metade da platéia que foi ao Teatro Castro Alves na última quarta-feira, para ver e ouvir Wim Wenders e José Padilha falarem de cinema, deve ter saído com aquele sentimento tão comum chamado de vergonha alheia, que consiste em sentir desconforto e vergonha pelo outro, por aquele que comete um ato constrangedor em público.
A tradutora de Wenders, ao traduzir do inglês para o português as legendas de um documentário do diretor alemão sobre a violência sexual cometida nas guerras civil e tribais do Congo (Invisible Crimes), insistia com naturalidade em estuprar o ouvido alheio pronunciando repetidas vezes a palavra estrupo.
Texto publicado originalmente em 24 de agosto de 2008, no jornal A Tarde, Caderno da TV.

A nada mole vida dos chefs

MARCOS DIAS
Depois que o chef inglês Heston Blumenthal, do restaurante The Fat Duck (Inglaterra), fez um sorvete com bacon e ovos e, achando pouco, fez outro de torrada e sardinha, a gente fica pensando que a gastronomia ficou louca de vez. Mas a questão não é só preparar – fosse assim, bastava pegar um punhado de camarão seco, sarapatel flambado e calda de cupuaçu, que teríamos algo muito esdrúxulo e, provavelmente, incomível.
Mas, quando um chef alcança a medida certa dos ingredientes, consegue repetir aquele prato e surpreender paladares exigentes, aí ele cumpriu, talvez, uma das suas muitas competências: ser sempre criativo. Excelência é o mínimo que se espera de um chef.
Atualmente, os holofotes estão a postos para as invenções de nomes como Alain Ducasse, Ferran Adrià, o próprio Heston Blumenthal, e também o brasileiro Alex Atala, que abriu caminho para muitos chefs do País. Seus pratos são falados no mundo da alta gastronomia, mas, até se chegar ao topo, muitas águas devem rolar. A água que lava os pratos, por exemplo. As lágrimas, ao ouvir que essa parte da cozinha não é para você. E os vários litros de suor de um trabalho duríssimo, envolto, para quem está de fora, numa aura de glamour.
Para iniciantes da culinária, ou para um cozinheiro que deseje estagiar num restaurante com um chef famoso, lavar pratos não é uma tarefa incomum. E tem que ter mais disposição: as cozinhas são quentes e, às vezes, trabalha-se até 15 horas por dia (um pouco mais, um pouco menos), em pé. E é bom esquecer que existem sábados, domingos e feriados, quando a maioria dos mortais costuma repousar ou se divertir. Sem contar que panelas podem voar se o chef ficar irritado com alguma coisa que não deu certo. UM LONGO CAMINHO Desde os anos 90, há um frisson no mundo da gastronomia, atraindo pessoas já estabelecidas em outras profissões e, sobretudo, jovens. E embora haja uma maior oferta de cursos, o caminho para um cozinheiro ou cozinheira com ambições artísticas costuma extrapolar os anos formais de estudo. "Só o tempo vai dar a um chef a segurança de ser um bom chef", revela o francês Marc Le Dantec, 34, sobre a importância da experiência para um cozinheiro. Radicado em Salvador desde 2002, ele recebeu, várias vezes, o título de melhor chef e de melhor restaurante francês da cidade e participa de grandes eventos brasileiros de gastronomia.
Além da vivência, Le Dantec destaca que ter experiência em várias cozinhas, conhecimento dos produtos, de culturas gastronômicas e de línguas é fundamental. E mais: ser cliente de bons restaurantes, o que deve ser visto como um investimento a longo prazo, e que permite entender “a alquimia entre cozinha e salão“. Mas, antes de tudo, tem que ter responsabilidade. O chef acredita que o tempo para se formar um bom cozinheiro é de sete anos, no mínimo. “Se você quer se tornar um grande chef, trabalhe com um. E sempre faça como ele disser. Você vai criar automatismo, destreza, espontaneidade“, orienta. Às vezes, Dantec fica espantado porque alguns jovens acham que em dois ou três anos vão conseguir ser chefs, enquanto os maiores nomes da culinária mundial, de qualquer continente, não conseguiram antes desse tempo. Definitivamente, o francês não acredita em cursos para chef de cozinha, apenas cursos para cozinheiros.
Mas ele acredita, por exemplo, no talento do jovem espanhol Juan Vidal, 29, que está assumindo o cargo de chef do restaurante Lafayette, onde Le Dantec está fazendo consultoria. Há um ano e meio em Salvador, Vidal era o segundo chef do restaurante e pretende trabalhar mais com frutos do mar, pescados, legumes grelhados e fogo de carvão. TRABALHO DURO A paciência é o aspecto principal que Vidal destaca para quem está pensando em entrar na área, uma vez que "a cozinha não é um ambiente fácil". A dedicação e a disponibilidade de investir tempo livre são outras condições que ele aponta, já que sempre escolheu restaurantes e hotéis mais movimentados para trabalhar. E sempre se dispôs a dobrar e fazer hora-extra.
Ele já passou por temperaturas de cozinha de 50 graus e, em Londres, chegou a trabalhar das 7 horas à uma da manhã: "Um caldo pode demorar até 12 horas para ficar pronto", destaca. Os melhores chefs que conheceu, na sua opinião, não sabiam tratar com gente."Eram anti-sociais. Não sei se é arrogância, mas acabam abusando", avalia, tanto mais que, na Espanha, onde começou, não respeitavam os chefs jovens, pois achavam que a figura do chef tem que ser a de um velho. "Não fui inspirado por nenhum número um, mas por cozinheiros básicos, que querem chegar lá, e inspiraram-me com receitas ou métodos".
Nascido em Santiago de Compostela, aos 6 foi morar com os pais em Zurique (Suíça) e, aos 21, já trabalhava em Londres, onde conheceu sua mulher, que é baiana. Ele começou a cozinhar aos 15, talvez por causa da mãe, dona Ignez, que, por sua vez, aprendeu com o pai de Vidal. Assim que chegou a Zurique, inicialmente sem amigos, numa cidade em que, para ele, era como se falassem chinês, foi natural que ficasse por perto daquela espanhola clássica que gostava de comer e lhe dava uns "trabalhinhos", como cortar vagem ou bater ovos.
Por aqui, o jovem ainda se sente limitado, pois não tem o poder de um proprietário de restaurante. "Estou dando sugestões e usando produtos daqui com técnicas de lá". Para ele, que já viu pelo mundo chefs pedirem para clientes se levantarem da mesa e escolher outro restaurante porque não iria fazer ovo frito, a Bahia está evoluindo em termos de produtos. Se ele tem o sonho do restaurante próprio? "Todo cozinheiro quando é jovem quer ter seu restaurante, mas é muita dor-de-cabeça, há muitos gastos, impostos e é preciso fazer tudo funcionar, sem contar que pode dar errado". O que Vidal gosta mesmo é de arrumar os pratos e modificá-los. É importante, em sua visão, que o olho coma primeiro e pode até ser um acarajé. Ele pensa, por exemplo, que esse prato hipotético seria como um suflê, com ovo, farinha, legumes mais finos, camarões. "Algo que lembre o acarajé, porém mais leve, fusion, com influência francesa", propõe.
E pensar que, quando conheceu sua mulher, ele não sabia onde era Salvador. "Onde fica?", perguntava, cheio de copacabanas e são-paulos na cabeça. Para ele, é um mistério dos mistérios a comida típica baiana combinada com o clima. "Minha mãe fazia feijões com chouriço e carnes cozidas quando havia neve na Suíça", compara, "sem contar com o acarajé e o dendê; num calor desses, só dá para fazer sesta. E eu pensava que eram só os espanhóis".
Ao contrário de Vidal, que não cozinha para os pais porque tem medo da crítica, a chef baiana Flávia Sampaio, 32, elegeu o pai, Rui, como seu "provador oficial". Acostumado a fazer tours gastronômicos pelo mundo, ele dá os parâmetros para ela, que lamenta ter começado tarde na profissão. Na época em que administrava o Vila Gourmet (que fechou em 2003), do qual era proprietária, passou a ir para a cozinha, como diz, "de ousada".
Mas ela gostou tanto daquilo – e considera que, se para todas as profissões é importante gostar do que se faz, para ser cozinheiro é preciso gostar um pouco mais.Em 2000, aos 27, foi estudar no renomado Le Cordon Bleu, onde passou um ano, ao mesmo tempo em que fazia estágio no The Square, restaurante londrino estrelado pelo guia Michelin. De volta ao Brasil, fez estágio no DOM, de Alex Atala, por mais um ano. E não pára: estagiou três meses na Itália e, recentemente, esteve em Chicago (EUA), aprendendo técnicas de gastronomia molecular. REALIDADE As cerca de 12 a 16 horas em pé, concentração e habilidade não foram obstáculos.Flávia afirma que, numa cozinha, "se beira à loucura". Em Salvador, ela acredita que falta formação profissional, já que os cursos que existem não mostram a realidade do que é uma cozinha: "A escola ideal é a que o aluno cozinha todo dia".
Mas, se voltarmos no tempo, é possível lembrar da menina que, quando via fazerem bolo na infância, pegava um restinho para fazer o seu, ou juntava ervilha e milho e fazia seu molho de salada, já ensaiando os passos que a fariam uma prestigiada chef, especialista em cozinha contemporânea, que manda ver em cozinha francesa e italiana com produtos brasileiros e assina coquetéis concorridos da cidade, bem como menus-degustação, com porções pequenas e duas entradas, dois pratos principais e duas sobremesas. Ainda assim, elege arroz, carne moída e farofa de ovo como seu prato preferido.
Nome de ponta da nouvelle cuisine, Paul Bocuse era contrário à presença de mulheres no ramo. Mas, para Flávia, as coisas estão mudando lá fora; por aqui, aquelas que querem seguir a profissão ainda têm que abdicar, por certo tempo, de ter filhos. Sem contar que é preciso força para pegar no pesado: uma caixa com sete quilos de tomate, por exemplo, ou um caldeirão que está há 16 horas no fogo.
Coisinhas que um estagiário tem que fazer, antes de se lançar num ceviche com castanha de caju e calda de bloody-mary, ou um caviar de goiaba. "Acho que o Brasil vai se destacar na gastronomia mundial pelos ingredientes", prognostica. Mas, apesar do destaque atual, ela não acha sua profissão glamourosa: "O dia-a-dia não é assim. Um chef tem que administrar pessoal; escolher ingredientes; ir ao fornecedor; lidar com egos diferentes; acordar às sete da manhã para tratar um peixe", enumera a baiana. "Eu vejo o meu trabalho mais como uma realização: quando alguém elogia um prato seu, você se derrete. É uma massagem no ego que você não tem idéia".
Por isso, ela diz que considera muito importante ter o pé no chão e não se envaidecer; do contrário, quem costuma sofrer com essa atitude são os pratos. "Eu não me considero uma chef ainda, tenho muito que aprender. Você vê tanto chef-estrela que, às vezes, esquece que o que deu glamour foi o trabalho". LINHA DE MONTAGEM O jovem chef Diogo Pereira, 27, sócio do Terreiro Bahia, na Praia do Forte, é outro que não vê glamour na profissão: "A cozinha não é esse romance todo, mas é uma linha de montagem perfeita". Estagiário do Vila Galé, enquanto cursava administração com marketing, tinha que lavar panelas, trabalhava sem hora para sair e considera as cozinhas lugares desconfortáveis. "Não sei por que gostei daquilo, foi amor à primeira vista", tenta explicar.
Ele fez o curso de cozinheiro do Senac e, então, viu a cumplicidade entre o curso que fazia e o talento com temperos e ingredientes: "Para ser um chef, é preciso saber administrar, a gerência é o mais complicado, gerir as pessoas, há muita picuinha na cozinha. Se cozinhar bem e não souber gerir, vai fazer tudo sozinho". E ele também já conheceu chefs que "não sabem segurar numa faca, mas são lideranças".
Sua primeira experiência como chef foi aos 24 anos, quando já tinha um ano de profissão e trabalhou num hotel em Ilhéus. Depois trabalhou no antigo Méridien, em Salvador, e produziu eventos com a sócia e também chef Tereza Paim. Com quatro anos de carreira "corridos", Pereira também fez estágios em São Paulo e Portugal. "É preciso ter um conhecimento grande para fazer um trabalho próprio", diz ele, que ainda não se sente um chef. Mas seu domínio da arte de cozinhar faz com que utilize suas técnicas com produtos que a Bahia tem, como peixe, camarão, legumes orgânicos e frutas que só existem aqui. Sua moqueca, por exemplo, é, digamos assim, três vezes mais moqueca que as outras, por conta do caldo concentrado que ele elabora. "A gente procura as técnicas mais adequadas para nossos ingredientes e queremos dar uma cara moderna à cozinha baiana e brasileira. Nosso objetivo é melhorar, mas dentro da tradição", revela Diogo, que adora comida caseira, feijoada, cozido e confessa: "Vatapá, eu como gelado!". Quer saber como tudo começou? Mais novo entre seus primos, nunca o levavam para os acampamentos. Quando descobriram que ele cozinhava, era o preço que tinha que pagar para ir junto com a galera. E era um bom preço, porque dizia: "Ah, eu levo até a comida nas costas".
Aos que estão pensando em se aventurar na culinária, um esboço da profissão: "Tem que montar acampamento na cozinha. É cansativo, você não pára, não senta; a cozinha é uma mesmice. É complicado para quem chega com empolgação, fantasiando, todo dia é fazer aquilo e fazer melhor a cada dia, procurar a perfeição. E ser rápido. Fazer estágio é bom para ver se você dá para isso".
O chef paulista Caco Marinho, 33 anos, sócio do Doc, que trabalha com o conceito de casual dining, sabe o que é isso. Ele mora há 16 anos em Salvador e começou há oito no Vila Gourmet, como estagiário. Para ele, o coconut shrimp (camarão empanado com coco e molho chutney de manga), ou as asas de frango picantes que são servidas em seu restaurante não são apenas produtos, mas experiências. "O caminho é perder a arrogância e a formalidade da alta gastronomia, do formato francês, da pouca comida. Hoje importa trazer dignidade para elementos rotineiros dos produtos nacionais", aponta. Nessa espécie de contramão, Caco diz que a qualidade dos ingredientes é fundamental e credita de 60 a 70% da perfeição de um prato à qualidade dos ingredientes. "Acho que trabalhar com foie gras (fígado de ganso ou pato) é meio contra-senso. O que a gente está comendo aqui é refugo do deles, que está fresco, vivo. O que a gente tem de aprender a fazer aqui é o quiabo". Quando trabalhava no Vila Gourmet, chegou a dividir a cozinha com Alex Atala: "Eu ainda era um aprendiz e a vinda dele me abriu dimensão grande do sentido da personalidade emprestada aos pratos. Ele tem domínio pleno e me disse que não precisa ter receio de ir mais longe". Outra referência importante em sua trajetória é o espanhol Andrés Madrigal, no restaurante de quem estagiou, na época da valorização da nova cozinha espanhola.
Além de todas as competências para criar um prato e repeti-lo com o mesmo padrão 365 dias, liderar equipe, ou outras nem tão agradáveis, como saber matemática, fazer lista de ingredientes e calcular o CMV (Custo de Mercadoria Vendida), um chef e sua brigada têm vantagens que nós, que ficamos esperando o prato chegar, não suspeitamos.
"Costumo falar que o melhor da cozinha é o que, às vezes, falta para o cliente. Lá, a gente tem o máximo dos aromas. Tenho lembranças do cheiro do café, do cheiro da batata sauté com cogumelos. Antes de ser sabor é um aroma, e isso é intenso e se volatiliza. É um prêmio que o cozinheiro tem. E quando você consegue desenvolver uma receita é uma sensação de extrema felicidade. Alcançar o aroma é maravilhoso e tão maravilhoso é compartilhar". Crescimento do mercado e novos cursos "Para atender a exigência de clientes que viajam o mundo todo, é preciso ter profissionais treinados", afirma o chef Wellington Santos, sobre a necessidade de cozinheiros com perfil mais elaborado. Em sua opinião, Salvador tem dado mais ênfase à profissão nos últimos sete anos, procurando profissionais para atuar nos empreendimentos que estão sendo construídos. Com 18 anos de profissão, formado pelo Senac, hoje ele é instrutor do curso-piloto de Chef de Cozinha da instituição. Já passou por restaurantes e hotéis como o Intercontinental, e trabalhou no México, Colômbia, Venezuela e Aruba.
A primeira turma do Curso de Chef de Cozinha, com 36 alunos, é formada por profissionais liberais, advogados, nutricionistas, economistas e ex-alunos dos cursos de cozinha e culinária da instituição. A carga horária é de 350 horas, distribuídas em 15 horas semanais, e o aluno deve ter ensino médio completo e experiência de seis meses como cozinheiro ou auxiliar.
É uma área em crescimento e, para Santos, uma das razões para o interesse seria o reconhecimento mundial da profissão, dos clientes e também dos restaurantes. "Hoje o cozinheiro tem orgulho de dizer que é cozinheiro, antes não tinha esse ímpeto. Quando ia fazer crediário, dizia baixinho o nome da sua profissão. Mas isso mudou em função do reconhecimento pela sociedade dessa arte".
De qualquer forma, ele acha que o mais importante para quem quer entrar na área é gostar do que faz. É o que vai determinar o tempo de dedicação à cozinha ou aos estudos teóricos. "Mas, se pensa: ´Vou ganhar dinheiro´, esqueça", diz ele, para quem cozinhar é a profissão de quem gosta de ouvir que sua comida está maravilhosa. "Não é uma formação acadêmica que torna alguém um chef, é preciso vivência e experiência", diz. ESSÊNCIA DO TRABALHO Se o chef Marc Le Dantec fosse avaliar um candidato a chef, ele se orientaria basicamente por dois critérios. Em primeiro lugar, gostaria de ver a arrumação da geladeira e a gestão de estoque. Isso envolve noções econômicas, de higiene, organização, atualização, porque, em sua opinião, é importante pesquisar sempre novos produtos. "É uma coisa muito importante para mim, porque é a essência do nosso trabalho você poder abrir a geladeira e dizer: essa pessoa sabe organizar".
A lógica é que, se sabe organizar a geladeira ("é um lugar fechado, ninguém vê o que está acontecendo dentro", brinca), então deve saber organizar a praça. O outro aspecto é mesmo botar a mão na massa. Ou melhor, nas carnes. Saber grelhar e assar carnes, peixes e crustáceos. "Não é à toa que o posto de rôtisseur sempre foi o mais respeitado", diz ele, destacando, em se tratando da culinária francesa, que o chef saucier (responsável pelos molhos), também é da maior importância.