segunda-feira, 18 de junho de 2012

Novo Código Penal exagera na criação de mais crimes

Frederico Vasconcelos
A advogada Janaina Conceição Paschoal, de 37 anos, identifica nas propostas da Comissão de Reforma do Código Penal reflexos de um movimento doutrinário internacional que trata como crime "o não fazer". "São decisões judiciais em que as pessoas não são punidas criminalmente por terem feito algo ruim, mas porque não fizeram um bem", diz.
Ela critica a "histeria de determinadas bandeiras da intelectualidade esquerdista", que pretendem resolver com o direito penal comportamentos que poderiam ser coibidos com multas ou orientação da família e da escola. É o caso das propostas de criminalização do bullying, do abandono de animais, de casos de desrespeito ao ambiente e de discriminações.
Trechos da entrevista:
Folha - Como a senhora avalia o perfil da Comissão de Reforma do Código Penal?
Janaina Paschoal - O problema não é com o perfil da comissão. São profissionais capazes. Eu entendia que não era hora de mexer no código, porque a gente está nessa histeria com determinadas bandeiras. Por exemplo, o sujeito que corta uma árvore que pode cair na cabeça das crianças na rua responde a um inquérito por crime ambiental. Não tem cabimento.
A comissão tem conseguido brecar essa sanha punitiva?
As propostas infelizmente estão representando o que é a intelectualidade brasileira. A comissão acabou de colocar o crime de racismo entre os crimes hediondos. Eu não consigo ver isso de outra forma senão como bandeira do "politicamente correto".
Quais distorções a senhora identifica na academia?
Na academia, a mesma pessoa que tem um discurso libertário, de menor intervenção do direito penal - por exemplo, em casos de crime contra o patrimônio, mesmo aqueles com violência ou grave ameaça, casos de tráfico, casos de aborto, que acham que tem que legalizar completamente- têm discurso extremamente endurecedor, de intervenção estatal em searas que poderiam ser trabalhadas por outros campos.
Essas questões seriam resolvidas sem o Código Penal?
Nos últimos 15 anos, todos diziam que não se pode fazer lei penal com base no clamor público. Quando há um sequestro, todo mundo quer pena de morte para o sequestrador. Tem casos que a gente tem mesmo que prender. Mas uma vez que você manda alguém para a prisão, você está, infelizmente, quase desistindo dessa pessoa. A prisão desestrutura. A gente tem que definir quais são esses casos, e não ficar alargando isso.
E as penas alternativas? A medida alternativa deveria ser para os casos em que você sempre mandou para a prisão. Mas estão criando outros casos, o que conturba a justiça penal com matérias que não são dela. E as pessoas vão aplaudindo, mas se está perdendo liberdade.
Quais as propostas mais polêmicas da intelectualidade?
Discriminação, bullying, meio ambiente, abandono e maus-tratos de animais. A gente tem estima pelos animais. É importante ensinar as crianças a respeitar a vida. Mas não se pode punir mais gravemente quem abandona um animal do que alguém que abandona uma pessoa.
A gente percebe que vai acontecendo uma relativização em relação àqueles valores que são mais importantes. É incoerente advogar o abrandamento nesses crimes clássicos e sustentar um acirramento em situações de controle de como cada um deve ser.
Como a senhora vê a intervenção do Estado nessa área?
A intelectualidade tirou Deus e pôs o Estado. Não obstante diga que não gosta da intervenção do Estado, não gosta em determinadas áreas: aborto, drogas, sexualidade. Em outras áreas, adora a intervenção do Estado. O Estado tem que dizer qual é a idade que seu filho entra na escola, como educar o seu filho, como se comportar... É papel da mãe observar se seu filho está sofrendo ou cometendo bullying. Você acha que é melhor prender ou intervir com uma conversa, com uma análise?
O que a senhora propõe em relação à discriminação? Seria muito mais efetiva uma política de sensibilização dos pais e dos educadores do que criar um monte de crimes. É fácil você encontrar alguém que defenda arduamente que o racismo é crime, que o racismo é hediondo...
A senhora é favorável às cotas?
Eu sou muito pautada na meritocracia. Por que sou defensora das cotas? Não é por uma questão de compensar a escravidão. Na Faculdade de Direito da USP praticamente não há negros. Se abrirmos um espacinho hoje, daqui a dez anos teremos mais negros ocupando cargos de destaque, com remuneração significativa. Tem muito mais efeito do que sair prendendo um colega que, no jogo, chama o outro de "negão".
Em que medida essa pressão por leis mais duras resulta da impunidade?
A gente nota uma tendência de inflar as denúncias. Na cabeça do procurador, ele diz: "Vamos encher porque alguma coisa fica". Outra estratégia: colocar um monte de gente numa investigação, pessoas que não têm nada a ver, porque eles vão ficar apavorados e vão entregar os outros. Gasta-se tempo, dinheiro público e não muda nada.
A gente tem visitado estabelecimentos prisionais. Fico surpresa de constatar quanta gente está presa por furto. Hoje já existe a previsão de medidas cautelares alternativas à prisão. Quando a fiança é arbitrada, é impagável. Aí, o cidadão fica preso por um furto ridículo.
O que fazer com quem furta?
Não vamos deixar de punir o furto. Mas já existe lei possibilitando deixar essa pessoa fora do sistema prisional. Há um déficit grande de vagas prisionais. E você ocupa vagas com pessoas que não precisariam estar ali. E sobre o ambiente?
Eu conheço gente processada porque tapou um buraco de uma praça sem autorização, porque cortou uma árvore sem autorização. Cobra uma multa, não leva o cidadão para a justiça criminal. As pessoas aplaudem a lei sobre os crimes ambientais. Essa lei é um lixo. Quais seriam as propostas menos invasivas para não criminalizar esses atos?
No caso de abandonar animal, poderia haver multas. Multa-se tanto no trânsito... No caso do bullying, uma campanha de responsabilização, não criminalmente, para que as pessoas assumam as suas responsabilidades. Se você percebe que seu filho está destratando coleguinhas, é seu papel de educador dizer: "Meu filho, você não tem esse direito". Mas os pais se omitem, a escola se omite. Cada um deve ser responsável.
Texto publicado originalmente em 18 de junho de 2012, no jornal Folha de São Paulo, Caderno Opinião.

Jornalista do Bocão News pede demissão após matéria sobre gastos com publicidade do governo da Bahia ser retirada do ar

Vítima do braço autoritário do governo, jornalista sai com dignidade da empresa
Quem ainda tinha dúvida do surto autoritário que acontece na Bahia teve na tarde desta segunda-feira, 18 de junho, um episódio típico do “grande irmão” tão bem personificado no romance 1984 de George Orwell.
Os detratores das recentes greves no Estado (greves na saúde, na polícia, na educação) procuram de todas as formas desqualificar os movimentos e satanizar seus líderes, a fim de blindar o governo, mais especificamente o governador. Sim, tem a maioria que faz isso para garantir seus cargos, seus postos de trabalho, ainda que pretextando a aludida governabilidade ou o tal “ruim com ele, pior com outro”. E tem aqueles que ainda duvidavam, honestamente, do surto autoritário.
Mas a triste realidade é esta: estamos vivendo um momento de autoritarismo que nada deve a governos que envergonhavam a decência democrática.
No episódio de hoje, um jornalista, jovem e brilhante, recém saindo da universidade, escreveu um texto sobre a festa publicitária que o governo estadual da Bahia vem fazendo. A reportagem não tem opinião, tem, sim, números e informações, muitas. Uma hora depois de publicada chega a ordem na redação do Bocão News para que fosse tirada do ar. A velha tática: ou me obedece ou fica sem publicidade. E o empresário da comunicação nem pestaneja, não ficar sem seu melhor cliente.
No episódio de hoje, no site Bocão News, ao jornalista restava fechar os olhos para o acontecimento ou tomar um posição em defesa de sua dignidade e postura profissional. Dignamente ele optou por sair da empresa que não oferece nenhum suporte para enfrentar o “grande irmão”.
Leia abaixo a justificativa de Guilherme e mais abaixo a reportagem que irritou o governo.
Guilherme Vasconcelos
Hoje, pedi demissão do site Bocão News, onde trabalhei nos últimos três meses. Escrevi, com base em dados oficiais, uma matéria que mostrava o crescimento exponencial dos gastos com publicidade do governo Wagner. Para minha surpresa, cerca de uma hora após a matéria ter sido postada, ordens da chefia chegaram até a redação para que a reportagem fosse retirada do ar.
De maneira truculenta e desrespeitosa, fui comunicado da decisão por terceiros através de mensagens de texto via celular. Também me foi dito que, por interesses econômicos e por pressão do “democrático” governo petista, a ordem era irrevogável.
Diante disso, não poderia agir de outra forma. Não se trata de querer bancar o herói, mas a demissão era a única saída honrosa. A coerência, a dignidade e a liberdade são valores inegociáveis para mim.
Na Bahia, estado que lidera a vanguarda do atraso, só verdades convenientes podem ser reveladas. Nosso jornalismo, salvo algumas honrosas exceções, é submisso e se aproxima do amadorismo.
A verdade é que aqui, terra dos superlativos - 69 dias de greve dos professores, 12 anos de metrô, pior prefeito de capitas -, praticamente não há jornalismo investigativo. Dizem que estamos na era da transparência. Na Bahia, a censura ainda é regra. Agradeço a Daniel Pinto, Marivaldo Filho e Luiz Fernando Lima, que muito me ensinaram durante esses três meses e, certamente, continuarão me ensinando.
Para os que leram e gostaram, para os que leram e não gostaram, e para os que não tiveram a oportunidade de ler, transcrevo abaixo a matéria que motivou meu pedido de demissão:
Governo Wagner eleva em 162% gastos com publicidade
Entre 2007, primeiro ano da administração petista, e 2011, o governo Jaques Wagner elevou em 162,5% os gastos com propaganda, promoção e divulgação das ações do Estado. Nesse período, as despesas com publicidade saltaram de R$ 46 milhões para R$ 122 milhões.
Os dados estão no relatório de contas de 2011 do governo do estado elaborado pela conselheira do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE), Ridalva Figueiredo.
Em comparação com 2010, quando foram gastos R$ 109 milhões, houve um aumento de 12%. A Secretaria de Comunicação Social e a Casa Civil foram as instâncias do governo estadual que registraram maiores despesas na área, com R$ 29,2 milhões e R$ 13,9 milhões, respectivamente.
Entre as estatais, os gastos com publicidade foram liderados pela Empresa Baiana de Turismo (Bahiatursa), com R$ 11,4 milhões, seguida pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), com R$ 7,3 milhões, e a Empresa Baiana de Alimentos (Ebal), com R$ 3,3 milhões.
Seca
Se o orçamento para a divulgação dos projetos do governo não para de aumentar, os recursos destinados a ações de combate à seca, problema que fez mais da metade dos municípios baianos declarar situação de emergência neste ano, foram considerados insuficientes pelo conselheiro Pedro Lino, que votou pela desaprovação das contas do governo durante julgamento realizado na semana passada.
“Através de pesquisa realizada por minha assessoria nos sistemas corporativos do Estado, verificou-se que foram aplicados recursos no montante de R$ 37.599.143,88 através da execução de apenas dois projetos e duas atividades visando a assistência às famílias e municípios e implantação de soluções hídricas. Entretanto, nenhuma destas ações foi estabelecida como meta prioritária”, critica o conselheiro no parecer sobre as contas do poder executivo, destacando que a quantia empregada para reduzir os efeitos da seca foi mais de três vezes menor do que os recursos destinados a promover as ações do governo.
Texto publicado originalmente em 18 de junho de 2012, no portal Comunique-se.

Mulher grávida morre após ser agredida pelo ex-companheiro em Araci (BA)

A dona de casa Maria Rejane dos Santos, de 35 anos, que estava grávida de sete meses, morreu na manhã deste domingo (17), após ter sido agredida pelo ex-companheiro, José Souza Moura, de 38 anos, na noite de sábado (16) no município de Araci (a 228 km de Salvador).
Vizinhos do casal disseram à polícia que eles discutiram na noite do crime e que José Souza a empurrou no chão. Ela foi socorrida no Hospital Municipal de Araci e chegou a ter alta médica, mas quando chegou em casa passou mal e os familiares a levaram de volta. Segundo a polícia, o hospital constatou a morte do bebê e informou que Maria Rejane não resistiu aos ferimentos.
O casal tinha um filho de quatro anos. José Souza foi preso nesta segunda-feira (18) e encaminhado para o Presídio de Serrinha (a 191 km de Salvador).

A história de um crime perfeito; não pela ausência de rastro, mas por ser mal investigado

Vaticano Connection
Wálter Maierovitch
Crime perfeito, no popular, é aquele sem identificação da autoria. Com efeito, há 29 anos desaparecia Emanuela Orlandi, de 15 anos, filha de um dos servidores do papa Karol Wojtyla. No momento, os magistrados do Ministério Público italiano exploram dois novos filões investigativos da chamada Vaticano Connection.
Emanuela tinha cidadania e residia com os pais no Vaticano e o papa João Paulo II, sensibilizado, fez vários apelos pela sua libertação. Ela desapareceu em 22 de junho de 1983. Tímida, recatada e flautista, ela foi sequestrada na saída da escola de música junto à Basílica Menor de Santo Apolinário, no centro histórico de Roma.
A propósito e recentemente descobriu-se que na cripta dessa basílica estava sepultado o sanguinário Enrico de Pedis, apelidado de Renatino, um dos chefões da Banda della Magliana, organização criminosa romana de matriz mafiosa. Em maio último, o caixão de Renatino, assassinado em 2 de fevereiro de 1990, foi removido da basílica e aberto, uma vez que se suspeitava estivessem no seu interior os espólios de Emanuela.
O capo Renatino era íntimo do monsenhor Pietro Vergari, responsável pela basílica e reitor do conservatório musical onde estudava Emanuela. A sóror Dolores, diretora musical, sempre recomendava às jovens alunas distanciamento de Vergari. Nenhuma das menores era escalada para participar do coral nas missas da basílica.
Sobre isso existe até o relato de Pietro Orlandi, irmão da vítima: “A sóror Dolores mandava para outras igrejas porque desconfiava do monsenhor e tinha uma opinião muito negativa de Vergari”.
Não se deve olvidar de laços da dupla Renatino-Vergari com Roberto Calvi, do escândalo do Banco Ambrosiano e apelidado de o Banqueiro de Deus, e com o arcebispo Paul Marcinkus, presidente do Banco Vaticano (IOR) e mantido até 1989 na sua direção. Dessa linha investigativa parte a suspeita do desaparecimento de Emanuela como ameaça feita com o fim de não se tocar na administração da lavanderia de dinheiro sujo instalada no Banco Vaticano-IOR.
Internamente existiam purpurados desejosos do afastamento de Marcinkus. Um deles era Albino Luciani, patriarca de Veneza, depois eleito papa João Paulo I. Na urna mortuária tirada da basílica estava o corpo de Renatino e não o de Emanuela. Parte das investigações concentra-se nas ossadas, sem identificações, encontradas nos subterrâneos da basílica. Em breve serão conhecidos os testes de DNA para comparações com os de Emanuela.
A nova e mais forte das pistas parte de informações do arcebispo Bernard Law, defenestrado de Boston por dar cobertura a padres pedófilos. Law, surpreendentemente, está lotado em Santa Maria Maggiore, uma das quatro basílicas papais de Roma. Antes de aportar em Roma, Law foi ouvido na Corte de Justiça de Suffolk e, monossilabicamente, confirmou que os padres pedófilos usavam, para enviar missivas, uma única caixa postal, a da estação central de Boston, conhecida como Kenmore Station.
Esse relato de Law resultou em diligências, pelos magistrados italianos, sobre o exato lugar de envio de três cartas recebidas, duas em setembro de 1982 e uma em janeiro de 1984, pelo correspondente da CBS em Roma, o jornalista Richard Roth. Nelas eram feitas propostas de troca e ameaça de eliminação de Emanuela. Todas as três cartas manuscritas saíram, conforme timbres grafados, da referida estação de Boston.
As autoridades norte-americanas confirmaram a autenticidade do timbre da Kenmore Station e a postagem feita nesta cidade. Forte elemento relativo à correlação do sequestro de Emanuela com padres pedófilos depreende-se da mensagem apreendida em 4 de setembro de 1983, pouco mais de dois meses do desaparecimento.
A mensagem foi deixada no interior de um furgão da Rádio e Televisão Italiana (RAI). Os peritos concluíram que as cartas ao jornalista Roth, da CBS, e a mensagem deixada no furgão foram escritas pelo mesmo punho. Outra certeza dá conta de que os autores do sequestro de Emanuela Orlandi foram os mesmos de Mirella Gregori, também de 15 anos, desaparecida em 7 de maio de 1983, ou seja, pouco antes do rapto de Emanuela.
As mesmas reivindicações de troca pelo turco Mehmet Ali Agca, que tentou matar o papa Wojtyla, chegaram em mensagens telefônicas. À mãe de Mirella, um dos sequestradores descreveu as roupas íntimas que vestia e a marca de cada peça. Essa troca é tida como puro despistamento. Quanto à voz interceptada do sequestrador, o serviço secreto italiano concluiu tratar-se de pessoa culta, irônica, de sotaque anglo-saxônico e ligada ao ambiente eclesiástico. O padre Gabriele Amorth, muito estimado pelo papa Bento XVI e considerado o principal exorcista da Igreja, acabou de revelar ao jornal La Stampa que o crime de Emanuela tem motivação sexual e lembrou que os arquivos do Vaticano registraram orgias em Santo Apolinário, incluindo o recrutamento de meninas por um ex-membro da Guarda do Vaticano.
Pano rápido: crime perfeito, dizem, é apenas aquele mal investigado.
Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP. Texto publicado originalmente em 18 de junho de 2012, na revista Carta Capital.