terça-feira, 2 de junho de 2015

Em tempos de arrocho, a vaca está com tuberculose

Malu Fontes 
Qualquer estrangeiro minimamente interessado em política que tenha visitado o Brasil no período da campanha eleitoral do ano passado, e que tenha voltado ao seu país de origem imediatamente após a vitória de Dilma Rousseff, teria imensa dificuldade, agora, em acreditar no que encontrasse, caso voltasse com tempo suficiente para ouvir a população e acompanhar minimamente o que diz não apenas a imprensa, mas o que dizem na imprensa.
A impressão é que houve um grande faz de conta discursivo na campanha, abusivamente retórico, e que, uma vez empossada, a presidente desceu do lustre, abriu as cortinas do Palácio da Alvorada e, diante de um monstro chamado economia, decidiu silenciosamente fazer o mesmo que Fernando Henrique Cardoso um dia pediu aos seus leitores, após transformá-los em eleitores, que fizessem: esqueçam tudo o que escrevi. Como Dilma não publicou nenhum livro, silenciosamente agora implora: esqueçam tudo o que João Santana escreveu para que eu prometesse na campanha.
Qualquer cidadão brasileiro, minimamente consciente e que não tenha sido submetido a uma lobotomia, seja ela cirúrgica ou político-partidária, e seja ele batedor de panela ou defensor da tese da existência do Partido da Imprensa Golpista, está assistindo sua própria vida, a dos seus amigos e as engrenagens da vida de quem o cerca estatelar-se diante de um tsunami econômico que assola o país.
Causas anunciadas como sagradas na campanha, como não só a manutenção, mas o fortalecimento dos programas sociais, os investimentos em programas educacionais e a melhoria da saúde pública começaram a cair como um dominó, desmilinguido imediatamente após a posse. Todas as garantias dadas ao eleitor foram definitivamente cremadas com o anúncio do ajuste fiscal na penúltima semana de maio. 
Chave enferrujada
O mantra de Dilma, surrupiado da fala popular e repetido à exaustão pela então candidata, sempre que acusada pela oposição de, se eleita, ser obrigada a efetuar cortes em benefícios sociais e programas estratégicos, forçada que seria pela recessão econômica que já se avizinhava, era: isso não vai acontecer nem que a vaca tussa.
Bem, o fato é que, há apenas 6 meses da posse do segundo governo, os benefícios e programas sociais à prova de tosse de vaca foram cortados com serras elétricas econômicas impiedosas. À mingua, o famoso Pronatec tão citado na campanha claudica, o antigo Fies gerou uma agenda negativa sem conserto para o Ministério da Educação e, para fechar com chave enferrujada a crise da educação em um governo que tem como lema Pátria Educadora, as universidades públicas federais estão cerrando as portas numa greve tão confusa quanto sem perspectiva de conquistas concretas.
O Minha Casa Minha Vida perdeu dinheiro e ritmo, o seguro desemprego só não encurta se o Congresso não quiser, e por chantagem à presidente, e milhares de brasileiros de todas as classes perdem o emprego todos os meses.
Ou seja, se tudo isso está acontecendo sob o comando da presidente com fama de gerentona que prometia manhãs que cantassem de 2015 a 2018, isso significa que a vaca metafórica evocada por Dilma espirrou e tossiu muito.
A tosse evoluiu para uma bronquite que logo se cronificou, disso passou para uma pneumonia e, em maio, finalmente a coitada foi diagnosticada com uma tuberculose severa, sem perspectiva de cura a curto ou médio prazo. 
Texto publicado originalmente em 02 de junho de 2015, no Jornal Correio da Bahia, página 02.    

Malu Fontes é jornalista e professora de Jornalismo da Ufba.