segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A escolha do povão

31.08.2008
JURANDIR FREIRE COSTA
"Linha de Passe" aborda as escolhas éticas do dia-a-dia sem afetar falsa neutralidade Daniela Thomas e Walter Salles voltam às telas com “Linha de Passe”. A cultura brasileira, uma vez mais, é revista pelo talento cinematográfico dos dois [que juntos dirigiram “O Primeiro Dia” e “Terra Estrangeira”, entre outros filmes] e o resultado é apaixonante dos pontos de vista artístico e humano.
A matéria-prima do filme é o cotidiano dos que carregam este país nas costas.
Cleuza – personagem vivido por Sandra Corveloni, ganhadora do prêmio de intérprete feminina no Festival de Cannes - e seus filhos nem transitam pelo bas-fond do poder nem em meio aos delinqüentes descamisados.
Seu universo é o das empregadas domésticas que vivem nos fundos de cozinhas; dos frentistas dos postos de gasolina; dos motobóis; dos jovens desempregados que aspiram à celebridade midiática; das ruas escuras; das calçadas esburacadas; dos ganidos melancólicos de cachorros vadios e, finalmente, da luz parca e intermitente do mundo televisivo, último sonho dos que vivem no pesadelo brasileiro.
Os diretores exibem tudo isso sem ares de falsa neutralidade. Em "Linha de Passe", nada de fábulas edificantes ou do moralismo de estufa que costuma maquiar a miséria com cores de exotismo. Desde o início, nos sentimos concernidos pelo lado oculto da vida do "povão".
Realidade hostil
Os mitos da ascensão econômica pelo futebol, do ideal do trabalho enobrecedor, da credulidade religiosa como ópio para a aspereza do dia-a-dia etc. são desmontados em suas engrenagens mentirosas.
Nessa realidade hostil, não há lugar para contos de fadas.
Quem está sujeito ao tacão do mais forte cedo aprende a conhecer o chão onde pisa.
Cada um, portanto, se vira como pode para enfrentar a brutalidade do dia-a-dia: preconceitos raciais e de classe social, pequenas corrupções e interesses mesquinhos nos locais de trabalho, consciência de que a lei é um faz-de-conta para os privilegiados e, por fim e o mais grave, apelos constantes para que todos se degradem moralmente, a fim de que os cínicos de plantão possam gozar com sua máxima de vida: "Somos todos porcos, comendo no mesmo cocho".
Até aí, pode-se dizer, estamos em terreno conhecido. Daniela Thomas e Walter Salles, porém, vão adiante. Trazem à tona a vida interior dos personagens, duplicando a narrativa sobre o panorama social com uma reflexão sobre a delicadeza da condição humana.
Cleuza e sua família são pessoas que, como qualquer um de nós, devem agir de forma moral. Mas em circunstâncias extremas, o que muda tudo.
O filme mostra o que significa equilibrar-se nessa corda bamba, em que hesitar em agir ou agir sem hesitar são condutas igualmente arriscadas.
Decidir entre o bem e o mal, em regime de urgência e sobre assuntos que implicam a sobrevivência, é uma das formas mais duras que temos de por à prova nossa consciência moral.
Vivendo no limite
Dario e seus irmãos vivem sempre em estado de exceção, às voltas com dilemas em que é quase impossível saber se é mais justo obedecer à lei ou transgredi-la, se é mais compassivo guardar fidelidade a valores consagrados ou infringi-los em nome de um bem maior – o direito à vida e à dignidade. Donde o inquietante tom agônico do filme. Os personagens vivem num exaustivo processo de luta consigo e com os outros, num movimento de tensão psicológico-moral no limite do insuportável. A qualquer instante, antevemos o desastre que está para acontecer.
Ainda assim, o espaço para a dúvida é um luxo ao qual nenhum dos personagens pode se dar. É preciso agir pronto para perder, é preciso defender desesperadamente o que resta, sem tempo para chorar as ilusões perdidas.
De vez em quando, todavia, a raiva e a tristeza contidas explodem e invadem a cena. Esse é um dos momentos mágicos do filme. Daniela Thomas e Walter Salles, numa imprevista virada ético-estética, mostram que, mesmo jogados ao fundo do poço moral, os personagens não sucumbem.
Ao contrário, reagem e desmentem as clássicas imagens da impotência dos mais frágeis. São eles, os desvalidos, que acabam por afirmar que "o pior cego é o que não quer ver" e "o pior paralítico é o que não quer andar".
Subvertendo de forma criativa a metáfora religiosa dos "milagres evangélicos", os autores nos fazem ver que o mais extraordinário milagre é o da vontade humana para recomeçar, ali onde qualquer esperança parecia morrer.
Finda a projeção, continuamos com os imperativos martelando na cabeça: "Anda!", "vê!". Belo lembrete dos que sabem fazer cinema sabendo para que serve o cinema. Enfim, um filme com a marca registrada de Daniela Thomas e Walter Salles: inimitável e imperdível.
O trailler oficial do filme aqui

Jussara Silveira no 10º Festival de Lençóis

Jussara Silveira na noite de sexta-feira (05).

Maus tratos em animais

PETA - People for the ethical treatment of animals: peta2@peta.org

Grande angular, por Iracema Chequer

Carlinhos Brown durante o arrastão da quarta-feira de cinzas

Bichos de verdade

MALU FONTES
O Brasil não está em nenhuma guerra militar e nem tampouco há quem admita que o país viva uma guerra civil. No entanto, provavelmente em raros lugares do mundo a televisão e a imprensa noticiam diariamente mortes, ou melhor, assassinatos, na escala com que ocorre aqui. Até recentemente, as chacinas, os crimes em série ainda eram um infortúnio mais comum às duas maiores metrópoles brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro. Agora o privilégio é nacional. Se até bem pouco tempo as grandes chacinas e tiroteios vistos em outras metrópoles na tela da TV davam aos baianos uma sensação de que o crime por aqui ainda resguardava algo de provinciano, nos últimos meses a barbárie aportou sem escala gradativa. Não mais que de repente, mas por razões que a inteligência da segurança pública sabe muito bem quais são, emergiu uma forte onda de chacinas, trocas de tiros tanto no centro quanto nas periferias, guerras explícitas de traficantes e notícias de toque de recolher em diversos bairros.
COCAÍNA E GANSOS - Salvador entrou no noticiário da violência de alto escalão pela porta da frente e com uma característica própria. A marca singular do incremento da violência na cidade é a morte em série de pessoas absolutamente inocentes e sem qualquer tipo de vinculação com a motivação original que provocou o crime x ou y. Dificilmente em qualquer outra capital brasileira houve, em um período tão curto, o assassinato de tanta gente inocente por traficantes e quadrilhas. Não, as classes médias e altas não têm nada a ver com isso, coitadas, afinal a nada menos que uma tonelada de cocaína que Salvador comercializa por mês, segundo a Polícia Federal, deve ser toda usada como talco, pó branco, para deixar branquinhos os gansos do Dique do Tororó.
O modo de ação dos criminosos em Salvador é uma espécie de metáfora perversa de um recadinho vulgar dos traficantes do pedaço aos bandos rivais, um diálogo surdo e maquiavélico entre gangues em conflito. Traficantes brigam por controle de pontos de tráfico? Para intimidar uns aos outros, vão aos bairros dos concorrentes, param em frente à primeira birosca aberta, diante do primeiro aglomerado de gente e, sem levar em conta jamais quem são aquelas pessoas inocentes que estão na hora errada, no lugar errado (e o drama maior é que, nesse fogo cruzado não há hora certa nem lugar certo algum quando se trata de ter a segurança garantida), atiram a esmo. Não raro as vítimas passam de uma dezena.
INSETICIDA - Agem como em cenas de filmes hollywoodianos estetizadores da violência em que insanos assassinos disparam armas poderosas até exaurir a munição, abatendo gente como um inseticida faz com um aglomerado de formigas ou insetos. Esse modo do crime em torno do tráfico baiano operar torna seus executores algo hierarquicamente abaixo de qualquer bicho. Nenhum bicho mata á toa, por matar, para ameaçar outra espécie. A sociedade brasileira, sua desigualdade sócio-econômica, sua corrupção abissal, seu desprezo por educação e sua incompetência para planejar e construir um país de verdade está transformando gente em algo mais feroz que os mais ferozes dos bichos. Onde mais no mundo se mata gente inocente 'eleita' ao acaso, usada para mandar recado para inimigos que sequer sabem quem são os mortos e estão pouco se lixando para isso?
PERSONAL ONÇA - No entanto, o cenário previsto para o futuro no capítulo violência brasileira aponta para coisas ainda piores. Quem vive no Rio de Janeiro e tem interesse pela vida subterrânea da cidade, pelas práticas que a polícia, os políticos e a sociedade sequer querem tomar conhecimento, há muito já vem contando que os traficantes de verdade, aqueles com poderio bélico, no alto inacessível de seus morros, há algum tempo estão criando onças para devorar o corpo de cadáveres e não deixar provas. Há quem diga que não necessariamente o corpo do 'inimigo', para ser ofertado à onça dos bunkers, deve estar morto. Se vivo, maior o gozo dos que assistem à cena. No dia a dia, a rotina da personal onça dos chefões do tráfico é ser elemento de tortura. Diante do bicho, os ameaçados juram fidelidade absoluta, silêncio eterno e denunciam desde supostos traidores até a mãe.
Para quem acha que isso é uma lenda urbana de quinta, produzida pela cultura da violência e pelo território fértil do imaginário brasileiro, a notícia dos jacarés apreendidos no Rio, veiculada nos telejornais da última quarta feira, usados por marginais para forçar vítimas de seqüestro relâmpago a dar todas as senhas de cartões e o que mais tivessem de valor, é uma amostra de que nada do que se diga sobre o repertório da violência nacional deve ser subestimado. Ela não só transforma seres humanos em bichos desprovidos até mesmo de instintos, como agora passou a incorporar aos seus grupos feras de verdade para aprimorar suas ações. Só mesmo no Brasil para onças e jacarés integrarem o exército da violência urbana. Diante de notícias assim, pit bulls, coitados, soam como coelhinhos da páscoa e o Zé Pequeno de Cidade de Deus é café pequeno.

Sete de setembro é o dia do Google

07.09.2008 ANINHA FRANCO
É impossível saber quantos setes de setembro o planeta Terra já amanheceu, entardeceu e atravessou desde o Big Bang, mas é possível memorar alguns deles. No de 1962, morreu a escritora dinamarquesa Karen Blixen, que escreveu sob o pseudônimo de Isak Dinesen, A festa de Babette, em homenagem à arte gastronômica, e a autobiografia A fazenda africana, assistida no cinema com o nome de Entre dois amores. No de 1922, nasceu o ator Paulo Autran e no de 1962, o diretor Fernando Guerreiro. No de 1884, a cidade de Porto Alegre libertou seus últimos escravos, antecipando-se em 4 anos à abolição de 1888. No de 1911, o poeta francês Guillaume Apollinaire, maluco de toda a grandeza como não existe mais, infelizmente, autor de As onze mil virgens e de Caligramas, foi preso sob a suspeita de ter furtado a Mona Lisa.
No de 1922, transmitiu-se rádio no Brasil pela primeira vez, um discurso de Epitácio Pessoa, um dos poucos presidentes civis brasileiros da primeira metade do século 20. No de 1936, morreu Benjamin, último lobo-da-tasmânia existente no mundo. No de 1953, Nikita Khrushchev, sobrevivente da era Josef Stalin que acabou em abril, com a morte do seu criador, foi eleito secretáriogeral do Partido Comunista. No de 1963, She Loves You de John Lennon e Paul McCartney, que é possível assistir no YouTube com os dois, chegou ao Top 1 das paradas britânicas. No de 1969, o embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick foi libertado de um seqüestro com participação armada de Fernando Gabeira, depois que a Junta Militar que governava o Brasil, alcunhada carinhosamente de ‘os três patetas’, libertou 15 presos políticos, entre eles José Dirceu.
No de 1822, Dom Pedro I, herdeiro do nosso monarca português Dom João VI, gritou em São Paulo que, a partir daquela data, o Brasil estava separado de Portugal e pronto, e se tornou o imperador da antiga Colônia, provocando a confusão que se vê ainda hoje antes, durante e muito especialmente depois das eleições republicanas. E, no de 1998, sem estardalhaço, surgiu o site de pesquisas Google.com que me permitiu escrever este texto mais rapidamente.