domingo, 25 de março de 2012

Simões Filho: a "capital da morte" no Brasil

A terceira edição do TV Folha traz, na noite de hoje (25), reportagem sobre a "capital da morte" no Brasil, Simões Filho (a 23 km de Salvador). Localizado na região metropolitana de Salvador, o município tem 112 mil habitantes e lidera o Mapa da Violência de 2012, com taxa de homicídios cinco vezes maior do que a já altíssima média nacional. O programa vai ao ar às 20h, na TV Cultura.
Tráfico e milícia transformam Simões Filho em "capital da morte"

Para assistir ao vídeo, clique aqui.

"Aqui é a cidade do corte! Aqui a gente trata na bala!" A fala é de um morador de Simões Filho, município da região metropolitana de Salvador com 112 mil habitantes e título de mais violento do país. "Isso daqui é tudo major morto", continua o sujeito, sem se identificar, apontando para as gavetas do pútrido e superlotado cemitério São Miguel, no bairro de Ponto Parada. "Rapa daqui!"

A cidade é apontada como a mais perigosa do Brasil no Mapa da Violência 2012, publicado em dezembro do ano passado pelo Instituto Sangari. Divulgado desde 1998, o Mapa da Violência é o mais confiável indicador da criminalidade brasileira. Seus dados são obtidos a partir do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que centraliza dados de óbitos em todo o país.

Na média entre 2008 e 2010, Simões Filho teve 146 homicídios por 100 mil habitantes. O estudo considera epidêmicas taxas a partir de dez mortes por 100 mil pessoas. Ciudad Juárez, que liderou o ranking das mais violentas do mundo durante três anos, apresentou, em 2011, taxa de homicídios de 148 por 100 mil. Com a diferença que a cidade mexicana possui 1,3 milhões habitantes - é onze vezes maior que Simões Filho. A divulgação do ranking não chegou a surpreender a população simõesfilhense. No Mapa da Violência 2011, a cidade já ocupava a vice-liderança.

Tráfico e milícia

A TV Folha visitou Simões Filho no último mês. Durante três dias, a equipe coletou relatos de vítimas da violência do tráfico ou das milícias. A reportagem também flagrou dois corpos jogados na BA-528 (Estrada do Derba). Ambos com sinais de espancamento, marcas de tiro e punhos algemados.

"Mais de 60% dos homicídios aqui são causados pela ação do tráfico", diz o delegado Antonio Fernando Soares do Carmo, titular da 22ª Delegacia Territorial de Simões Filho. Ele admite, no entanto, que os corpos encontrados algemados em fevereiro mostravam sinais de ação de milicianos.

As vítimas fatais de Simões Filhos são encaminhadas para o Instituto Médico Legal de Salvador, já que a cidade não possui IML próprio. "Todo dia tem óbito aqui que vem de Simões Filho", relata Ana Paula Teixeira, funcionária responsável pelo atendimento às famílias que chegam no IML da capital baiana. "E 80% [dos corpos] são de mortes violentas", afirma.

Segundo Ana Paula, os caixões que chegam de Simões Filho "são muito simples, doados pela prefeitura, porque a maioria da população é de pessoas paupérrimas". Para a florista Josineide Gomes, 39, "o que mais tem na cidade é enterro".. Seu sobrinho foi assassinado logo após o Natal de 2008, aos 16 anos.

"Acho que ele se envolveu [com o tráfico]. Mataram e ainda cortaram os testículos", desabafa. Há também quem veja oportunidades de negócios na líder do Mapa da Violência. "Simões Filho, para mim, foi um atrativo, porque percebemos que existe uma fragilidade na área da segurança lá. Nossa empresa cresce em torno 40% ao ano", diz, Marcos Carvalho Santana, sócio da empresa de segurança privada Escolta VIP.

"Mais um morto aqui"

No começo deste ano, um assassinato ganhou destaque entre as dezenas de homicídios violentos da cidade. O radialista Laécio de Souza, 40, foi morto a tiros num terreno que havia comprado para realizar ações sociais no bairro de Jardim Renatão, um dos mais carentes. A polícia chegou a prender um jovem de 16 anos, que confessou ter feito os disparos e seria ligado ao tráfico.

Outro suspeito da mesma idade acabou brutalmente assassinado semanas depois - seu corpo foi encontrado com os punhos amarrados em um ponto de "desova", onde os corpos são jogados após os crimes. Souza era pré-candidato a vereador. "Evito sair de casa, até porque já fui ameaçado de morte", diz o sobrinho do radialista, Rafael Araújo Santos, 18.

Para passar o tempo, Santos, que é desempregado, navega na internet, baixa músicas e troca mensagens pelo Facebook com os amigos do mesmo bairro (conhecido como "quilômetro 25"). "Mais um morto aqui no KM 25", relatou, no início de fevereiro em seu mural --duas pessoas comentaram, ninguém 'curtiu'.

Bar ou igreja

Logo atrás da violência, a falta de opções de lazer na cidade é uma das principais reclamações dos simõesfilhenses. "As opções aqui são bar ou igreja", resume o professor de matemática Rodrigo Magalhães, 24, que nas horas vagas toca baixo na banda punk Último Grito. Seu grupo entoa letras protesto inspiradas nos problemas da cidade. Magalhães relata já ter sido agredido em shows pela região, com direito a plateia municiada e corre-corre para escapar vivo do palco.

"Fora isso, temos muitos casos de corrupção, que são totalmente vinculados ao poder público", diz. Desde 1992, a Prefeitura de Simões Filho é palco da alternância de poder entre dois caciques locais. Este já é o terceiro mandato do médico José Eduardo Mendonça de Alencar (PSD) no comando da cidade.

Alencar é alvo de quatro ações do Ministério Público Federal da Bahia por improbidade administrativa. É acusado de envolvimento em esquemas de fraudes a licitações. O político vinha se alternando no poder com Edson Almeida de Jesus (PT) desde 1992. Em 2008, Edson Almeida foi condenado por improbidade administrativa, teve decretada a perda da sua função pública e a cassação dos seus direitos políticos por oito anos. Também foi obrigado a devolver à União, corrigidos, mais de R$ 640 mil.

Edson Almeida fraudou o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), desviando dinheiro que deveria ser investido em custeio de transporte escolar. Ele recorre da decisão da Justiça.

"Desova"

Convidada durante três semanas a se pronunciar sobre a escalada da violência na cidade e as denúncias de corrupção, a Prefeitura de Simões Filho preferiu não se manifestar por telefone ou e-mail. A reportagem também tentou encontrar o prefeito enquanto esteve na cidade, em fevereiro, mas ele recusou todos os convites para entrevista.

Logo após a divulgação do Mapa da Violência 2012, a prefeitura divulgou um comunicado informando que o cálculo do estudo do levantamento é "distorcido", pois "ignora a origem correta dos homicídios". O município alega que muitos dos assassinatos ocorridos nas cidades vizinhas acabam "desovados" nas estradas que perpassam Simões Filho.

A Polícia Militar da cidade admite, no entanto, que há bairros com forte influência do tráfico e de difícil acesso para as autoridades. Enquanto a prefeitura tenta tirar alguns corpos da soma final de homicídios, a economia local afunda.

Simões Filho é o segundo município que mais perde postos de trabalho na Bahia, atrás apenas da capital Salvador, de acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Dados de dezembro de 2011 mostram que 1.044 vagas foram eliminadas, 936 apenas no setor de serviços.

Análise: Simões Filho é síntese da violência que migra para cidades menores Vídeo da reportagem sobre Simões Filho

Outro vídeo

Os quatro pilares da imprensa livre

O dever de um jornalista em 1939 no manifesto censurado de Camus. Em manifesto de 1939 que só veio a ser publicado na semana passada, o escritor francês propõe a discussão sobre liberdade de imprensa em termos individuais e formula os quatro recursos de que o jornalista deve lançar mão para manter-se livre, mesmo sob censura: a lucidez, a recusa, a ironia e a obstinação.
Albert Camus
Tradução Paulo Werneck
É difícil, hoje em dia, evocar a liberdade de imprensa sem ser tachado de extravagante, acusado de ser Mata Hari, sem se ver convencido de ser sobrinho de Stálin. No entanto, essa liberdade, entre outras, é só um dos rostos da liberdade pura e simples, e nossa obstinação em defendê-la será compreendida se houver boa vontade para admitir que não há outra maneira de vencer de fato a guerra.
É certo que toda liberdade tem seus limites. É preciso, ainda, que eles sejam reconhecidos. Sobre os obstáculos que hoje são postos à liberdade de pensamento, aliás, já dissemos tudo o que foi possível dizer e diremos novamente, à saciedade, tudo o que nos será possível dizer.
Em particular, uma vez imposto o princípio da censura, jamais nos espantará o bastante ver que a reprodução de textos publicados na França e examinados pelos censores da metrópole seja proibida no "Soir Républicain" [jornal publicado em Argel, do qual Albert Camus era redator-chefe], por exemplo.
O fato de que, a esse respeito, um jornal dependa do humor ou da competência de um homem demonstra melhor do que qualquer outra coisa o grau de inconsciência a que chegamos. Um dos bons preceitos de uma filosofia digna desse nome é o de jamais se derramar em lamentações inúteis diante de um estado de fato, que não pode mais ser evitado.
A questão na França não é mais a de saber como preservar as liberdades da imprensa. É a de procurar saber como, diante da supressão dessas liberdades, um jornalista pode permanecer livre. O problema não interessa mais à coletividade. Ele diz respeito ao indivíduo.
Meios e justamente o que nos agradaria definir aqui são as condições e os meios pelos quais, no próprio seio da guerra e de suas servidões, a liberdade pode ser não somente preservada, mas também manifestada. Esses meios são quatro: a lucidez, a recusa, a ironia e a obstinação.
A lucidez pressupõe a resistência aos movimentos do ódio e ao culto da fatalidade. No mundo de nossa experiência, é certo que tudo pode ser evitado. A própria guerra, que é um fenômeno humano, pode ser a todo momento evitada ou interrompida por meios humanos.
Basta conhecer a história dos últimos anos da política europeia para nos convencermos de que a guerra, seja ela qual for, tem causas óbvias. Essa visão clara das coisas exclui o ódio cego e o desespero que deixa estar.
Um jornalista livre, em 1939, não se desespera e luta pelo que acredita ser verdadeiro como se a sua ação pudesse influenciar o curso dos acontecimentos. Não publica nada que possa incitar ao ódio ou provocar o desespero. Tudo isso está em seu poder.
Em face da maré de besteiras, é preciso igualmente opor algumas recusas. Nenhuma das limitações do mundo leva um espírito um pouco limpo a aceitar ser desonesto. Ora, por menos que conheçamos o mecanismo das informações, é fácil nos assegurarmos da autenticidade de uma notícia.
É a isso que um jornalista livre deve dedicar a sua atenção. Pois, se ele não pode dizer o que pensa, pode não dizer o que não pensa ou o que acredita ser falso. E é assim que se mede um jornal livre: tanto pelo que diz como pelo que não diz.
Essa liberdade bem negativa será, de longe, a mais importante de todas, se soubermos mantê-la. Pois ela prepara o advento da verdadeira liberdade. Em consequência disso, um jornal independente dá a fonte de suas informações, ajuda o público a avaliá-las, repudia as cascatas, suprime as injúrias, compensa, em comentários, a uniformização das informações e, em resumo, serve à verdade na medida humana de suas forças. Essa medida, por mais relativa que seja, lhe permite ao menos recusar aquilo que nenhuma força no mundo pode fazê-lo aceitar: servir à mentira.
Chegamos, assim, à ironia. Podemos estabelecer que, em princípio, um espírito que tem gosto e os meios para impor limitações é impermeável à ironia. Não vemos Hitler, para tomar apenas um exemplo entre outros, utilizar a ironia socrática. Conclui-se que a ironia permanece como uma arma sem precedentes contra os poderosos demais. Ela completa a recusa na medida em que permite não rejeitar o que é falso, mas muitas vezes dizer o que é verdadeiro.
Um jornalista livre, em 1939, não tem muitas ilusões sobre a inteligência daqueles que o oprimem. Ele é pessimista no que diz respeito ao homem. A cada dez verdades ditas em tom dogmático, nove são censuradas. Essa disposição ilustra com bastante exatidão as possibilidades da inteligência humana. Ela explica também que jornais franceses como "Le Merle" ou "Le Canard Enchaîné" [jornais satíricos parisienses] possam publicar regularmente os corajosos artigos que conhecemos.
Um jornalista livre, em 1939, é portanto necessariamente irônico, ainda que, volta e meia, a contragosto. Mas a verdade e a liberdade são amantes exigentes, pois têm poucos apreciadores.
Obstinação
Com essa atitude de espírito brevemente definida, é claro que ela não se poderia sustentar de modo eficaz sem um mínimo de obstinação. Não são poucos os obstáculos à liberdade de expressão. Não são os mais graves deles que poderão desencorajar um espírito. Pois as ameaças, os empastelamentos, as perseguições geralmente obtêm na França o efeito oposto ao que propõem.
É preciso reconhecer, porém, que há obstáculos desencorajadores: a constância na tolice, a covardia organizada, a ininteligência agressiva -e por aí vai. Eis o grande obstáculo sobre o qual é preciso triunfar. A obstinação é aqui uma virtude cardeal. Por um paradoxo curioso, porém óbvio, ela se põe a serviço da objetividade e da tolerância.
Eis, portanto, um conjunto de regras para preservar a liberdade até mesmo dentro da servidão. E depois?, diremos. Depois? Não sejamos tão apressados. Se cada francês quiser apenas manter em sua esfera tudo o que acredita ser verdadeiro e justo, se quiser ajudar de sua frágil parte a manutenção da liberdade, resistir ao abandono e divulgar sua vontade, então, e somente então, essa guerra estará ganha, no sentido profundo da palavra.
Sim, é muitas vezes a contragosto que um espírito livre deste século faz sentir a sua ironia. O que encontrar de agradável neste mundo inflamado? A virtude do homem, porém, é a de se manter diante de tudo o que o nega. Ninguém quer recomeçar em 25 anos a dupla experiência de 1914 e de 1939.
É preciso, portanto, testar um método ainda novo em folha, que seria a justiça e a generosidade. Mas estas só se exprimem nos corações já livres e nos espíritos ainda clarividentes. Formar esses corações e esses espíritos, ou melhor, despertá-los, é a tarefa ao mesmo tempo modesta e ambiciosa que se apresenta ao homem independente. É preciso se aferrar a isso sem olhar para mais à frente. A história vai levar em conta ou não esses esforços. Mas eles terão sido feitos.
Se ele [jornalista] não pode dizer o que pensa, pode não dizer o que não pensa ou o que acredita ser falso. E é assim que se mede um jornal livre: tanto pelo que diz como pelo que não diz. Não vemos Hitler, para tomar apenas um exemplo entre outros, utilizar a ironia socrática. Um jornalista livre, em 1939, é portanto necessariamente irônico.
A história do manifesto
Pela primeira vez primeira vez no último domingo (18) pelo jornal "Le Monde", o manifesto de Camus deveria ter aparecido na edição de 25 de novembro de 1939 do jornal "Le Soir Républicain". Coeditado por Albert Camus em Argel, o jornal se resumia a uma página frente e verso. Teve só 117 edições: em janeiro de 1940, foi proibido pelo governador de Argel.
Ao mesmo tempo que, em Paris, a imprensa denunciava a manipulação da informação feita por Hitler, os jornalistas da maior colônia francesa (que conquistaria sua independência em 1962) eram submetidos à censura oficial. A contradição não escapou ao jovem Camus, então com 26 anos, que a denunciava em seus textos no "Le Soir Républicain".
Francês nascido na Argélia, pacifista engajado na luta pela liberdade em sua terra natal, o Nobel de Literatura de 1957 fez das contradições do colonialismo um dos pilares de sua ficção, em romances como "O Estrangeiro". A repórter Macha Séry, do "Le Monde", localizou o texto nos Archives Nationales d'Outre-Mer, em Aix-en-Provence. Embora não esteja assinado, o texto teve sua autenticidade comprovada, afirmaram à Folha os herdeiros de Camus.

Crack: realidade cada vez mais comum

Taxa de presos no Brasil quase triplica em 16 anos

Um em cada 262 adultos está na cadeia; São Paulo tem um terço dos detentos
Especialistas veem número desproporcional de prisões por droga e furto; custo e eficácia do sistema são questionados
Claudia Antunes
Da Folha de São Paulo
Uma pessoa em cada grupo de 262 adultos está presa no Brasil. Em 1995, essa proporção era de 1 para 627. Em São Paulo, com um quinto da população brasileira e um terço dos presos, um em 171 está na cadeia.
Entre 1995 e junho de 2011, a taxa de encarceramento (número de presos para cada cem mil habitantes) brasileira quase triplicou. É a terceira maior entre os dez países mais populosos e põe em questão custos e benefícios de ter tantos presidiários.
A polêmica é semelhante à travada nos EUA, recordista em presos e onde a tese dominante de que só a prisão de todos os infratores habituais leva à redução de crimes é cada vez mais questionada.
O início da onda de encarceramento no Brasil foi uma reação ao aumento da violência urbana. A taxa de homicídios passou de menos de 15 por 100 mil pessoas em 1980 para quase 25 em 1990, chegando a 30 em 2003.
Hoje, estudiosos como Julita Lemgruber, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, e Pedro Abramovay, da FGV-RJ, apontam a contribuição desproporcional de acusados de tráfico para o crescimento da população carcerária. Segundo eles, é uma consequência da aplicação equivocada da Lei de Drogas de 2006.
A lei livrou usuários de prisão e estabeleceu pena mínima de cinco anos para traficantes, sem direito à liberdade provisória. O resultado foi oposto ao esperado, e "uma massa que fica na fronteira entre o tráfico e o uso" lota as cadeias, diz Abramovay.
Os presos por tráfico quadruplicaram em seis anos, para 117 mil, 40% deles em São Paulo. "A polícia tem recursos finitos, e os usa para prender pessoas não violentas que serão violentas quando saírem da prisão", afirma ele.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, presidente da comissão de reforma do Código Penal do Senado, diz que há uma combinação de "cultura da prisão" com deficiência das defensorias públicas estaduais.
Com um presidiário típico jovem e pobre, isso resulta em muitos detentos sem julgamento (cerca de 40%, contra 21% nos EUA) e acusados de furto, estes em número maior do que os que respondem por assassinato.
Em mutirão recém-realizado pelo Conselho Nacional de Justiça em 25 Estados, só a revisão administrativa de processos, sem mudar sentenças, beneficiou 72,6 mil presos -36,8 mil libertados. "Furto não é caso de prisão", diz Dipp, para quem só crimes "gravíssimos" ou violentos merecem cadeia.
Especialistas divergem sobre eficácia da prisão
Relação com violência não é automática, dizem. Não há consenso sobre o efeito do encarceramento na criminalidade. O estudo mais conhecido, feito nos EUA pelo economista Steven Levitt, diz que, para cada ponto de variação na população carcerária, o impacto na criminalidade é de 0,147 ponto.
O aprisionamento é uma de sete variáveis que, segundo Daniel Cerqueira, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), explicam 70% da incidência de homicídios no Brasil -as outras são renda, desigualdade, efetivo policial, proporção de jovens na população, disponibilidade de armas de fogo e de drogas. Mas é difícil isolar o efeito do encarceramento, porque quanto maior o volume de crimes, maior a quantidade de presos.
Não há coerência entre os Estados. O Paraná, por exemplo, tem taxas altas de encarceramento e homicídios, enquanto São Paulo reduziu a taxa de homicídios em mais de 60% na última década.
José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança, diz que essa queda em São Paulo foi efeito direto do aumento de prisões, mesmo que só 9,28% dos presos no Estado respondam por assassinato.
Luciana Guimarães, do Instituto Sou da Paz, aponta outras causas: o sucesso do desarmamento, depois do estatuto de 2003, e o combate aos grupos de extermínio. Pedro Abramovay, ex-secretário nacional de Justiça, cita o investimento em informação e o fato de um só grupo, o PCC, controlar o narcotráfico.
Desde os anos 90, houve duas leis principais para tentar conter a expansão carcerária. A 9.714, de 98, ampliou as punições alternativas. Antes, só penas de até um ano de prisão podiam ser substituídas por multa, serviço comunitário etc. A substituição passou a ser possível em penas de até quatro anos. Desde então, estima-se que mais de 700 mil penas alternativas tenham sido adotadas, sem o efeito pretendido.
O juiz Luciano Losekann, coordenador do mutirão carcerário do CNJ, diz que ocorreu uma ampliação da "malha penal" - pequenos delitos passaram a ser tratados na esfera criminal. Ele atribui o fenômeno ao conservadorismo do Judiciário e à falta de estrutura nos Estados para fiscalizar o cumprimento das penas.
Os dois fatores podem comprometer também a eficácia da lei 12.403, de 2011. Ela permitia a troca da prisão provisória (quando o acusado espera julgamento) por nove medidas cautelares, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica.
No Brasil, pena alternativa falha por falta de fiscalização
Desde os anos 1990, houve duas tentativas principais de conter a expansão carcerária no Brasil por via legislativa -com 1,7 preso por vaga, as cadeias do país já foram denunciadas em órgãos de direitos humanos da ONU e da OEA (Organização dos Estados Americanos).
A lei 9.714, de 1998, ampliou as punições alternativas. Antes, só penas de até um ano de prisão podiam ser substituídas por multa, serviço comunitário, proibição de frequentar lugares.
A substituição passou a ser possível em penas de até quatro anos, para não reincidentes e crimes não violentos. Desde então, estima-se que mais de 700 mil penas alternativas tenham sido adotadas, sem o efeito pretendido.
O juiz Luciano Losekann, coordenador do mutirão carcerário do Conselho Nacional de Justiça, diz que ocorreu uma ampliação da "malha penal" - pequenos delitos ou condutas que nem eram crimes, como brigas de vizinhos, passaram a ser tratadas na esfera criminal.
Ele atribui o fenômeno ao conservadorismo do Judiciário e à falta de estrutura nos Estados para fiscalizar o cumprimento dessas penas alternativas. "Uma coisa é apurar a pena e a outra é dizer que ela foi executada. Entre os dois momentos, há um Himalaia no meio", diz ele.
Os dois fatores podem comprometer também a eficácia da nova lei para restringir o encarceramento, a 12.403, de 2011. Essa lei permite a troca da prisão provisória (quando o acusado espera pelo julgamento) por nove medidas cautelares, entre elas a proibição de sair de casa, de deixar a cidade ou o país, o comparecimento periódico em juízo e o uso de tornozeleira eletrônica.
"O legislador nacional cria as leis, mas não prevê a fonte de recursos. Os Executivos estaduais dizem não ter verbas para comprar as tornozeleiras", afirma Losekann.
O Ministério da Justiça informou que ofereceu R$ 4,2 milhões aos Estados brasileiros para a criação de núcleos de acompanhamento de penas alternativas e de presos provisórios. A liberação da verba ainda espera os projetos estaduais, a serem apresentados até abril deste ano.
Tirar tráfico da rua tem mais efeito, afirma americano
A redução da criminalidade não depende de revolução social nem do encarceramento em massa, mas de polícia eficiente e que tire das ruas o tráfico. É o que diz Frank Zimring, da Universidade da Califórnia e autor do livro "The City that Became Safe" (A cidade que ficou segura), sobre a criminalidade em Nova York.
Folha - Qual relação entre aumento de prisões nos EUA e queda de criminalidade?
Frank Zimring - A melhor medida é que entre 15% e 20% da queda da criminalidade nos EUA desde os anos 1990 poderia ser atribuída ao encarceramento. Mas o caso de Nova York desafia a dita "criminologia da oferta", segundo a qual todos os criminosos habituais teriam que ser mantidos presos ou reincidiriam, não havia terceira opção. Em todo o país, o encarceramento cresceu 65% de 90 a 2009. Em Nova York, em 2009 ele era 28% menor do que em 1990. Homicídios, roubos e latrocínios caíram mais de 80% na cidade.
Para onde foram os criminosos?
Para lugar nenhum. Estudamos as taxas de reincidência entre pessoas que voltaram à cidade depois de sair da prisão. Constatamos que, quando a criminalidade sobe, a reincidência também aumenta; quando ela cai, a reincidência diminui.
Por quê?
Quando saem da prisão, elas começam a passar tempo com o mesmo grupo que conheciam antes. Mas, como a criminalidade caiu, seus amigos não estão roubando, estão fumando maconha. Você faz a mesma coisa. Isso não reforma a sociedade, mas torna as ruas mais seguras.
O combate ao crime não requer revolução social?
Todas as mudanças sociais em Nova York foram superficiais. As escolas não melhoraram nem o emprego para os pobres.