sábado, 27 de setembro de 2008

Com a marca dos culpados

A limitação do uso de algemas em operações da polícia lembra as conseqüências pessoais, culturais e sociais decorrentes desse tipo de ação no Brasil Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram súmula vinculante (decisão que deve ser seguida por todos os tribunais do País) que limita o uso de algemas às situações em que houver resistência à prisão, risco de fuga e possibilidade de agressão ao agente da lei. O recurso das algemas também poderá ser usado para preservar a integridade física do preso.
Marcos Bretas, historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisa a questão traçando um paralelo com as torturas praticadas durante as investigações policiais, geralmente tendo por alvo suspeitos das classes baixas. Essa violência manteve-se invisível (e até tolerada) até que a repressão política levou o choque elétrico e o afogamento aos corpos mais bem alimentados da classe média.
"Não me parece que houvesse problemas com o uso das algemas enquanto eram exibidos os criminosos associados a um mundo das classes baixas. O problema surgiu quando assistimos a essas prisões de gente importante", resume Bretas.
Representando o lado dos que colocam as algemas, o superintendente da Polícia Federal Ildo Gasparetto reforça: "Nunca vi ninguém se manifestar contra isso quando se tratava de presos pobres. Será que todos os pobres são perigosos e devem usar algemas? (...)."
A questão das algemas não se limita ao balizamento jurídico do seu uso ou a recomendações práticas para sua utilização em ações policiais. Ligada a essas questões, está a percepção de que o uso dos braceletes constitui uma forma de humilhação pública, potencializada nas imagens de programas vespertinos de TV e telejornais em rede nacional.
Segundo o psicanalista Alfredo Jerusalinsky, existiria em grande parte da população um sentimento generalizado de indignação pela impunidade que costumam ter os crimes cometidos por estratos mais privilegiados da sociedade: "Mas há um sentimento mais vasto de injustiça na distribuição da renda que leva a ver como culpados aqueles que se enriquecem. A satisfação que a população experimenta quando um rico ou um poderoso é algemado provém dessa sensação que o povo experimenta de estar sendo constantemente roubado, ainda que as coisas aconteçam dentro da legalidade."
Uma das responsáveis pela espetacularização - que também pode ser chamada de registro factual de uma ação policial em um ambiente público, por que não? - é a imprensa. E lhe sobram críticas por isso.
Suprimir as algemas ou ocultar a identidade dos suspeitos, entretanto, são questões que permitem ao menos dois pontos de vista, segundo Jerusalinsky. O psicanalista argentino adverte que a proibição da exposição de suspeitos algemados, ao mesmo tempo em que protege os suspeitos de possíveis efeitos difamatórios e de danos morais injustificados, obstaculiza o exercício da opinião pública, não sobre a legalidade, mas sobre o considerado justo ou injusto.
A preocupação do historiador Bretas é a de que a imprensa nunca discute abertamente a questão dos vazamentos de informações por parte da polícia, seja a respeito de detenções, seja de escutas telefônicas ou outras informações das investigações: "Essa conjunção precisa ser coibida, e policiais que passam informações deveriam ser punidos. Policiais naturalmente agem considerando que aqueles que eles investigam têm culpa. Ao se aliar à imprensa, eles socializam sua opinião, contribuindopara um pré-julgamento."
Perseguido e aprisionado por duas ditaduras militares na Argentina, Jerusalinsky alerta que as algemas podem ter pesos diferentes, dependendo da situação: "Suportar as algemas de uma ditadura se faz com orgulho. Por outro lado, carregar as algemas que castigam um crime se faz com humilhação."

Arara vermelha pode sumir

Atualmente, a rara espécie possui apenas 200 exemplares na Costa Rica e 3,8 mil no mundo inteiro.