sábado, 23 de agosto de 2008

Vídeos da sabatina com Wim Wenders

O cineasta alemão Wim Wenders, 63, diretor de filmes como "Asas do Desejo" (1987) e "Paris, Texas" (1984), falou sobre sua relação com o Brasil, suas influências, sobre Hollywood, a questão digital e previu a permanência do cinema durante sabatina realizada pela Folha nesta sexta-feira no Masp (Museu de Arte de São Paulo). O evento teve a participação do diretor Walter Salles e os jornalistas da Folha Alcino Leite Neto, José Geraldo Couto e Marcos Strecker. Salles presenteou Wenders no final da sessão com um DVD de "São Paulo Sociedade Anônima" (1965), do cineasta Luiz Sérgio Person, citando o filme como um exemplo deste cinema com identidade que Wenders tanto disse apreciar.

Etnologias da solidão

Marcelo Reis

Ainda com saudade de Dorival

ANTONIO RISÉRIO
Publiquei um artigo sobre Caymmi na "Folha de S. Paulo". Não estava com vontade de escrever nada sobre o assunto. Mas o pessoal do jornal ligou, no sábado à tarde, pedindo um texto. E acabei escrevendo. No mesmo sábado, a caminho do pôr-do-sol. E acabei ficando com vontade de escrever um pouco mais sobre o mestre.
Talvez porque o artigo da "Folha" tenha sido mais intelectual, falando de Caymmi de uma perspectiva antropológica, histórica e estética. E talvez, também, porque não traga nenhuma novidade ao leitor que tenha eventualmente lido meu livro sobre a poesia e a música caymmianas, Caymmi: Uma Utopia de Lugar, publicado há 15 anos aqui em São Paulo, pela Editora Perspectiva, do Jacó Guinsburg.
Mas a verdade é que estive pouquíssimas vezes com Caymmi. Quando estava escrevendo o livro, Caetano chegou a me perguntar, curioso: "Mas você não vai conversar com ele?". Respondi que não. E me expliquei: "Caymmi é o rei da sedução. Se eu for conversar com ele, não vou mais conseguir fazer uma análise isenta da obra dele". Manter distância do objeto de estudo era, neste caso, uma auto-exigência metodológica. Mesmo assim, passei uma tarde inteira conversando com ele, num hotel de Salvador. Falamos das mais variadas coisas, menos do livro. Um amigo tirou fotos desse encontro, onde consumi diversas caipiroscas. Quando o livro saiu do forno, enviei imediatamente um exemplar para o velho.
Ele leu. Ligou lá para casa. E ficamos horas conversando no telefone. Praticamente, só ele falava. De uma forma educadíssima, bonita e sedutora. "Este seu criado aqui agradece muito o que você diz. Mas não quero falar de mim, não. Vamos conversar sobre a Bahia. Porque seu livro é como o de Vilhena. É sobre a Bahia. Eu vou aparecendo, mas é no meio da renda. Porque você vai escrevendo assim... de uma forma rendada. O livro é como aquelas rendas lá do Ceará". E, quando se despediu, desejando coisas boas, completou: "Me recomende aos seus".
No lançamento do livro, na Bahia, a festa, organizada por José Cerqueira no Solar do Unhão, foi uma delícia. Mas, no Rio, armou-se um tremendo barraco na imprensa. "O Globo" dava destaque bem elogioso. No "Jornal do Brasil", ao contrário, baixaram o sarrafo. Tudo por conta de uma referência que eu tinha feito à forma claramente preconceituosa com que Noel Rosa lidava, em seus sambas, com negros e com a macumba.
Telefonei para o mestre. Perguntei se ele tinha visto o que estava saindo no Jornal do Brasil". Claro. "É uma coisa sem cabimento – e muito mal educada", disse. Falei com ele que poderia pintar algum clima chato na noite do lançamento, na Marcabru.
O Lizst Vieira, então deputado carioca pelo PT, observou que a reação do jornal à minha crítica era exagerada porque, naquele momento, o Rio estava com a autoestima lá embaixo. Eu disse então a Caymmi que ele não precisava ir ao lançamento. E ele: "Não, de modo algum. Nós vamos juntos. E estaremos irresistíveis".
Que maravilha de pessoa. Anos depois, aliás, Caymmi me fez o elogio que mais gostei de saber. Foi numa conversa com a cantora Jussara Silveira. Ela estava preparando um disco e um espetáculo com canções de Caymmi. E disse a ele que estava lendo meu livro. Caymmi sorriu e comentou: "Risério... ele é uma flor de homem". Quando Jussara me contou, adorei.
Mais recentemente, quem me ligou para conversar sobre Caymmi foi o Francisco Bosco, que estava então escrevendo um livro sobre ele (foi publicado: é um dos volumes da coleção "Folha Explica", da Publifolha). Ficamos um tempão falando, trocando figurinhas caymmianas. Foi uma delícia. Francisco, filho do músico João Bosco, é um sujeito culto, um cara estética e intelectualmente refinado. Escreve bem. E saca o velho Dorival com rara inteligência e sensibilidade.
Pois é. E agora o poeta se foi, subindo por dentro das estrelas. Conversei ao telefone com João Santana e Jaques Wagner. Escrevi o artigo para a "Folha". Mas depois fiquei meio sem saber o que pensar. Até que recebi um bonito e-mail do Francisco Bosco: "Risério, não posso deixar de me comunicar com você na ocasião da partida de nosso pai... Eu não fiquei triste, porque sempre soube que ele nunca morreria – e não vai ser esse fato agora que vai me desmentir".

A elitização brasileira

ANTONIO CICERO
O Brasil, diz Darcy, é "um país que não deu certo, por culpa não do seu povo, mas das elites"
NÃO SOU o primeiro e certamente não serei o último a criticar o abuso da palavra “elite” no Brasil. Como não fazê-lo? Em política, a imprecisão conceitual só serve aos oportunistas. É sobretudo no vocabulário de quem se considera “de esquerda” que essa palavra costuma aparecer. Seu uso entre “soi-disant” marxistas resulta de um desleixo conceitual que mostra que nem mais eles levam a sério a teoria em que pretendem se basear.
O emprego da palavra “elite” na sociologia se estabeleceu a partir das obras de Vilfredo Pareto e de Gaetano Mosca. Sua pretensão era substituir o conceito marxista de “classe dominante”. Pareto afirmava que há, em toda sociedade, um estrato inferior e um estrato superior. O estrato superior constitui a elite, que é composta pelos indivíduos mais capazes. Segundo Mosca, o domínio da minoria sobre a maioria se explica pela organização da primeira, que é composta por indivíduos que possuem um atributo, real ou aparente, altamente valorizado pela sociedade em que vivem.
Ao criticar as “teorias da elite”, os marxistas atacaram tanto a pretensão, nelas embutida, de que a estratificação social seja supra-histórica, universal, eterna, quanto o fato de que elas desviam atenção do fundamental, que é a base econômica da sociedade.
Suponho que os marxistas brasileiros tenham ignorado essas e outras críticas em conseqüência, pelo menos em parte, da influência que sofreram de políticos e intelectuais não-marxistas, durante a luta contra a ditadura. Entre esses, destaca-se, por exemplo, o antropólogo Darcy Ribeiro, que não hesitava em falar da “maldade” da elite: “velha elite, feita de filhos e netos de senhores de escravos calejados na maldade; de ricaços descendentes de imigrantes que olham de cima, com desprezo, a quem não enricou também; e sobretudo desta casta de gerentes das multinacionais, só leais a seus patrões”.
Segundo essa perspectiva, é por culpa de uma elite má que temos os problemas que temos. O Brasil, diz Darcy, é “um país que não deu certo, por culpa não do seu povo, mas das elites”. “Maldade’, “culpa”: é fácil entender que também os teólogos da libertação – católicos – tenham se reconhecido nessa linguagem, excelente catalisadora de todo ressentimento difuso. Tal tipo de “explicação” psicologista da realidade social é absolutamente incompatível com o pensamento de Marx, em que não entram em jogo “culpas” ou “maldades”. Para Marx, a relação das diferentes classes sociais entre si é determinada em primeiro lugar pelo caráter das relações de produção vigentes na formação sócio-econômica em consideração.
De todo modo, não é difícil entender como, paradoxalmente, a vulgarização da teoria das elites – que havia sido introduzida na sociologia para enfrentar as teorias liberais e socialistas, e que era simpática ao fascismo – pôde dar subsídios exatamente para a execração das elites. É que, já que a dominação destas não se explica pela estrutura econômico-social, mas pela sua putativa superioridade, é concebível que essa “superioridade” se reduza ao maquiavelismo com que se supõe que elas submetem as massas, por meio da doutrinação, da violência, da intimidação, da intriga, da corrupção, do engodo: em suma, do “mal”.
Só a facilidade dessa inversão vulgar do sentido da teoria das elites já seria suficiente para evidenciar sua inanidade teórica. Mas isso não é tudo. Além de não ser capaz de explicar coisa nenhuma, a noção de “elite” é vaga demais para ter qualquer eficácia cognitiva. Essa ineficácia ficou comicamente clara no ano passado, quando o apresentador de programa de televisão Luciano Huck, ao ter seu relógio roubado, escreveu um artigo na Folha, queixando-se da insegurança das cidades brasileiras. Uma enxurrada de cartas à redação o atacou, alegando que, pertencendo à elite, ele não tinha qualquer direito de se queixar. Uma delas foi do cantor Zeca Baleiro. No dia seguinte, uma leitora escrevia: “Lamentável o comentário dele sobre o texto de Luciano Huck – como se Zeca Baleiro não fizesse parte dessa elite”.
O fato é que, cada vez mais, também a classe média tem sido chamada de “elite” pela esquerda. Conseqüentemente, como as estatísticas indicam que o Brasil é cada vez mais um país de classe média, trata-se sem dúvida de um país em que, segundo a esquerda, quase todos fazem parte da elite. Será a pior elite do mundo, como muitos afirmam? Não sei; mas é sem dúvida a mais autoflagelante.