Alexandro Mota
A crise financeira que atinge o governo, com reflexos no corte de verbas em universidades federais, tem obrigado o reitor da Ufba (Universidade Federal da Bahia), João Carlos Salles, a eleger as contas que vão ser pagas em cada mês, diante do repasse de menos de 40% da verba prevista à instituição e de um déficit de R$ 25 milhões referentes à execução orçamentária do ano passado.
"Todos os meses ficamos diante da ‘Escolha de Sofia’: quem vai deixar de receber", afirmou o professor, que assumiu o posto em agosto. A declaração (em que faz referência ao clássico da literatura no qual uma mãe deve decidir qual dos dois filhos deve ser salvo) foi dada ontem (21), durante um encontro com jornalistas, na Reitoria, para anunciar a realização de um ato público, na segunda-feira. Nele, Salles pretende mobilizar políticos, comunidade acadêmica, movimentos sociais e a sociedade civil para chamar a atenção do Ministério da Educação (MEC) sobre a necessidade de reverter o quadro de crise.
"Não queremos fazer uma resistência irresponsável com o MEC. A Ufba está reagindo com argumentos e reflexão", explicou o reitor. O evento, chamado Ato Público em Defesa da Educação e da Universidade Pública, vai acontecer no Salão Nobre da Reitoria, às 9h30.
"O ato é uma forma de expressão pelo momento difícil que estamos passando no país. No próximo ano, inclusive, a Ufba faz 70 anos e vale tudo isso tanto para reflexão como para festa", diz Salles, que divulgou uma carta, no final de março, em que solicitava a todos a adoção de medidas para redução de custos. A situação gerou impactos no dia a dia da comunidade acadêmica e outros cortes no orçamento podem resultar em greve.
Nacional
O problema na Universidade Federal da Bahia tem atingido outras instituições federais e programas do MEC, pasta eleita como prioritária pela presidente Dilma Rousseff no segundo mandato – ela, inclusive, escolheu como slogan do novo governo Brasil, Pátria Educadora. "São 60 universidades brigando por orçamento. Queremos mostrar (com o ato) que a Ufba não pode perder mais recursos", diz Salles.
Em nota, o MEC informou que está sempre aberto ao diálogo com as instituições e que tem se esforçado para regularizar o fluxo de verbas, debatendo internamente no governo, para verificar como honrará os restos a pagar pendentes.
O ato na Reitoria acontece na semana em que o governo deve decidir os impactos que a Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada no dia 17 de março, deve ter em cada pasta. De acordo com João Carlos Salles, somente após a publicação da Execução Orçamentária pelo governo federal, com o detalhamento desses repasses, será possível saber o valor exato dos recursos.
"Na segunda, podemos ter notícias boas ou ruins sobre como ficarão as verbas de custeio e de investimento. Nos preocupa em qual proporção o MEC pode ter sua verba reduzida", comentou Salles.
As verbas de custeio referem-se a despesas mensais com a vida acadêmica, o pagamento de pessoal, das concessionárias de energia e água potável, das empresas terceirizadas, além das despesas de assistência estudantil e de manutenção predial e itens básicos como papel e material de limpeza. As verbas de investimento são referentes a obras.
Prioridades
Segundo João Carlos Salles, as prioridades nesse momento de crise são as atividades acadêmicas e a busca por manter a qualidade da produção intelectual. "Precisamos garantir as bolsas para a assistência estudantil, um restaurante universitário com um quantitativo de refeições suficientes, biblioteca que funcione nos finais de semana", exemplifica o reitor.
Este ano, o orçamento total aprovado para a Ufba foi de R$ 1.314.749.911, no entanto, mensalmente a Reitoria tem recebido repasses menores que chegam a ser 40% a menos do que o previsto. “Precisamos de condições para garantir a qualidade do ensino e manter as atividades de pesquisa e de extensão”, disse.
Em nota, o MEC informou que desde março voltou a repassar 1/12, e não mais 1/18, como tinha sido em janeiro e fevereiro, conforme decreto da Presidência no início do ano. Além disso, a pasta garantiu que não faltará recursos de custeio. "O MEC, inclusive, vem se esforçando para auxiliar as universidades na regularização dos pagamentos", afirma o comunicado.
O oferecimento de vagas para o próximo semestre não deve ser afetado, mesmo com a crise, mas o reitor afirmou que não descarta a possibilidade de barrar a abertura de novos cursos. A Reitoria, no entanto, não quis divulgar se já havia previsão de novos cursos para agora.
Pagamentos
Com dívidas e com o orçamento do mês arrochado, a manutenção dos prédios urge e o desafio é de buscar reduzir os gastos. "Temos prédios de diversas idades e padrões construtivos e eles precisam de manutenção. Com as chuvas que temos tido, temos infiltrações em alguns prédios e precisamos de recursos para lidar", diz Salles.
Para reduzir os gastos, ele citou que tem reduzido o uso de ar-condicionado nas unidades, restringido gastos com passagens aéreas, diárias e participação em eventos, além do controle de eventos na própria instituição – o próprio ato de segunda-feira, citou o reitor, vai acontecer no salão da Reitoria para evitar gastos com montagem de estruturas. Além disso, a administração já está começando a rever os contratos que tem com as empresas.
Sobre as dívidas com as empresas terceirizadas - com apenas uma delas, que presta serviços de limpeza, chegava a R$ 8 milhões até abril -, o vice-reitor, Paulo Miguez, garantiu que a situação está sendo saneada. "Alguns débitos já foram saudados e a expectativa é que até amanhã (hoje) tudo já esteja em dias", comentou Miguez.
Já os débitos com as fornecedoras de água e energia, Salles pede paciência até que a situação financeira se normalize. "Não podemos entender que a Ufba tenha sua energia cortada. É um contrassenso. Precisamos contar com a cumplicidade dos governantes para sentar e discutir a situação", comentou Salles. Em nota, Coelba e Embasa garantiram que irão negociar as dívidas com a instituição. Para os alunos, a garantia é que não haverá prejuízo no programa de bolsas e serviços de assistência, como o restaurante e a residência.
Universidade já iniciou o ano com R$ 28 milhões de déficit
De acordo com o vice-reitor, professor Paulo Miguez, a situação de crise na Ufba pode ter sido agravada por já ter começado o ano com um déficit de R$ 28 milhões, referente ao orçamento de 2014. Deste valor, R$ 25 milhões são verbas de custeio e o restante, R$ 3 milhões, é de investimento que daria continuidade a diversas obras atrasadas.
A universidade já havia explicado, em comunicado no início do mês passado, que o déficit no custeio (que são as despesas mensais com água, energia, pessoal, empresas terceirizadas, assistência estudantil e manutenção predial, além de itens básicos como papel e limpeza) se deu porque os contratos de 2014 tiveram valores mensais que ultrapassaram a disponibilidade prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA). No primeiro lugar das dívidas ficaram os serviços de manutenção predial, reformas e projetos, com um déficit de R$ 5,5 milhões.
Logo em seguida vêm os serviços de vigilância, com R$ 4,5 milhões, e os serviços de limpeza, com R$ 4 milhões. Depois entra o fornecimento de energia elétrica (R$ 2,3 milhões), os serviços de portaria (R$ 1,7 milhão), manutenção de equipamentos e serviços.
Diante da dificuldade em fechar as contas, a Reitoria anunciou o contingenciamento e afirmou que o quadro de funcionários terceirizados, por exemplo, seria reduzido em cerca de 25%. O grupo MAP, por exemplo, que contava com cerca de 500 funcionários prestando serviços de segurança patrimonial e vigilância, havia informado ao CORREIO que a dívida da universidade com a empresa chegava a R$ 8 milhões, referentes a quatro meses de serviços prestados, do ano passado até este ano.
As principais frentes de redução de despesas diziam respeito ao consumo de água, energia elétrica, telefonia e itens de consumo e de material de expediente. Apesar do anúncio do contingenciamento apenas esse ano, a Ufba informou que enfrenta dificuldades na manutenção das atividades desde o final do ano passado.
Texto publicado originalmente em 22 de maio de 2015, no Jornal Correio da Bahia.